Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dilma condena ataques nas ruas

A presidente Dilma Rousseff disse a dois dirigentes do Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), o argentino Carlos Lauría e a colombiana Maria Teresa Ronderos, em audiência na terça-feira (6/5), que o governo não tolera agressões, em atos públicos, a jornalistas ou a cidadãos que publicam blogues. Essa informação, entretanto, não foi tornada pública no noticiário sobre o encontro, que ocorreu paralelamente ao 6º Fórum Liberdade e Democracia, promovido pela revista Imprensa em Brasília.

Lauría e Ronderos participaram na quinta-feira (8), em São Paulo, de café da manhã com alguns jornalistas promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) com o objetivo de divulgar o relatório anual do CPJ. Perguntados sobre a posição expressa pela presidente da República, disseram que ela manifestou reprovação firme a qualquer tipo de atentado à liberdade de imprensa e de expressão. Essa parte da conversa, entretanto, não apareceu no noticiário sobre a audiência.

No encontro com a presidente foram destacados 12 assassinatos de jornalistas ocorridos no Brasil desde a posse de Dilma, em 2011 (houve outros cinco assassinatos, mas ainda são investigadas as circunstâncias em que ocorreram). Ela garantiu que o governo vai avançar na apuração de todos esses casos.

Intimidações

O relatório do CPJ se intitula “Segundo tempo para a imprensa brasileira – A justiça prevalecerá sobre a censura e a violência?“. Os 12 assassinatos de jornalistas motivados pelo exercício da profissão, nele descritos, são um dado terrível da realidade brasileira, indicador de patologias sociopolíticas atávicas e de fragilidades clamorosas de seu regime democrático. Mas devem ser vistos num contexto amplo, que inclui a censura judicial (também abordada no relatório da CPJ), as intimidações e as ameaças levadas a cabo, com sucesso, em metrópoles.

Desses casos, três são bem conhecidos. O primeiro é o de André Caramante, então na Folha de S. Paulo, obrigado a deixar a maior cidade do país devido a ameaças sofridas após relatar que no Facebook o então ex-comandante da Rota, tropa de choque da PM paulista, coronel Paulo Telhada, hoje vereador pelo PSDB paulistano, defendia a eventual eliminação de bandidos ou suspeitos em confrontos armados.

O melhor relato sobre o caso foi feito por Eliane Brum na revista Época e pode ser lido aqui. Caramante, ao voltar a trabalhar no jornal, foi deslocado da cobertura de polícia e, em fevereiro deste ano, foi demitido do jornal com a explicação de que se tratava de contenção de despesas.

O segundo caso também tem relação com o coronel PM, hoje na reserva, Telhada. Foi a demissão da repórter Lúcia Rodrigues da Rádio Brasil Atual, em março de 2013, imediatamente após entrevista com o já então vereador Telhada. O executivo da rádio, Paulo Salvador, negou que tivesse havido relação de causa e efeito entre a entrevista e a demissão. Um relato de Conceição Lemes pode ser lido aqui.

Mauri König, da Gazeta do Povo de Curitiba, foi obrigado a deixar a capital do Paraná devido a ameaças que lhe foram feitas após a publicação em 2012 de reportagens sobre desvios de recursos por integrantes da polícia estadual. É do próprio CPJ, que lhe deu um prêmio na época, o relato do caso (leia aqui). Mauri continua trabalhando na Gazeta do Povo.

Censura judicial

Sob o título “Censura através dos tribunais”, John Otis escreve no relatório do CPJ que “a censura judicial é amplamente considerada o segundo maior problema enfrentado pelos meios de comunicação no Brasil, após a violência contra jornalistas”. Ela afeta “desde grandes jornais metropolitanos e empresas de internet como o Google até blogueiros independentes situados em cidades remotas”.

Como se sabe, enunciados genéricos desse tipo não são a melhor maneira de dimensionar e qualificar os problemas. Há blogueiros e blogueiros, assim como há conteúdos difamatórios, ofensas, insinuações, agressões torpes publicados na internet. Se os grandes meios de comunicação não estivessem na rede, funcionando bem ou mal como filtro, esse lixo cibernético poderia causar prejuízos tremendos, maiores do que os já ressentidos hoje.

Comparação inadequada

E não faz sentido estabelecer comparações indevidas, como a que considerou a censura judicial “mais sinistra do que as repressões sobre a mídia durante 21 anos de ditadura militar no país” (declaração do diretor-executivo da Abraji, Guilherme Alpendre, citada no artigo de Otis). Durante a ditadura, não haveria nem como fazer essa denúncia dentro do país: ela não seria publicada. Não tem o menor cabimento considerar o período atual “mais sinistro” do que a repressão do regime militar. É uma formulação que enfraquece as denúncias.

Clima ruim

Mais do que criar um ranking de ameaças e agressões, importa, como se dizia nas décadas de 1960 e 70, “raciocinar em bloco”. Tentar entender como as diferentes modalidades se combinam para criar um clima malsão. Um clima de exasperação, truculência, pressão, intimidação, terror (o que é o assassinato de um jornalista senão um ato terrorista?). Esse clima afeta crescentemente o exercício da profissão e, portanto, o regime democrático.

Há, entretanto, algo ainda mais grave, em momento nenhum momento mencionado no trabalho do CPJ: a censura interna ditada por interesses negociais, administrativos e políticos, e pela ideologia de cada meio de comunicação. É prática generalizada. Já foi muito, muitíssimo pior. Mas sobrevive. Daí a importância da mídia jornalística que busca a isenção. Daí a importância de criticá-la, em benefício dela mesma, ou seja, de seu aprimoramento e do crescimento de sua credibilidade.

12 assassinatos

Eis a lista de jornalistas cujos assassinatos tiveram comprovadamente relação com sua atividade profissional desde o início de 2011. Esses nomes foram publicados em diferentes meios de comunicação, em alguns casos mais de uma vez, mas a lentidão da Justiça brasileira faz com que sejam logo deixados no esquecimento.

>> Mario Randolfo Marques Lopes (e sua namorada, Maria Aparecida Guimarães), editor do site Vassouras na Web, em 9/2/2011, na cidade de Barra do Piraí, RJ.

>> Luciano Leitão Pedrosa, jornalista da TV Vitória e da Rádio Metropolitana FM, de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, em 9/4/2011, em Vitória de Santo Antão.

>> Edinaldo Figueira, diretor do Jornal O Serrano, de Serra do Mel, Rio Grande do Norte, em 15/6/2011, em Serra do Mel.
Gelson Domingos da Silva, repórter cinematográfico da TV Bandeirantes, em 6/11/2011, no Rio de Janeiro.

>> Décio Sá, repórter de política do jornal O Estado do Maranhão e titular do Blog do Décio, em 23/4/2012, em São Luís.

>> Valério Luiz de Oliveira, comentador da Rádio Jornal, de Goiânia, em 5/7/2012, em Goiânia.

>> Eduardo Carvalho, editor e proprietário do site Última Hora News, de Campo Grande, em 21/11/2012, na capital de Mato Grosso do Sul.

>> Mafaldo Bezerra Goes, apresentador de programa da rádio FM Rio Jaguaribe, em 22/2/2013, em Jaguaribe, Ceará.

>> Rodrigo Neto, apresentador de programa policial da Rádio Vanguarda, de Ipatinga, Minas Gerais, em 8/3/2013, em Ipatinga.

>> Walgney Assis Carvalho, repórter fotográfico autônomo que colaborava no jornal Vale do Aço, de Ipatinga, em 14/4/2013, em Coronel Fabriciano.

>> Santiago Ilídio Andrade, repórter cinematográfico da TV Bandeirantes, em 10/2/2014, no Rio de Janeiro.

>> Pedro Palma, proprietário do semanário Panorama Regional, de Miguel Pereira, Rio de Janeiro, em 13/2/2014, em Miguel Pereira.

Os contextos em que atuavam esses jornalistas são bastante diferenciados, mas chama a atenção que dois desses crimes tenham ocorrido no Rio de Janeiro e outros dois nas capitais de Goiás e Mato Grosso do Sul.