Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

É possível viver sem publicidade dirigida às crianças?

Recente estudo publicado pelo Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) informa que a província de Quebec, no Canadá, é um dos poucos – senão o único – lugar do planeta onde a publicidade dirigida aos jovens de até 13 anos foi banida. A medida já foi tomada há três décadas. A informação que consta da publicação Publicidade e criança: comparativo global da legislação e da autorregulamentação chama a atenção e aguça a curiosidade. Afinal, como seria viver num local sem publicidade dirigida às crianças?

A revistapontocom conversou com a professora Dafne Ashton Vital Brazil. Em 2007, a brasileira se mudou exatamente para a província de Quebéc, no Canadá. Viveu lá até o início deste ano, com seus três filhos, Juliano Vital Brazil Simonard, Henrique Vital Brazil Simonard e Maria Vital Brazil, na época com 7, 8 e 15 anos. De volta ao Brasil, em poucos dias, observou e comparou. Por aqui, afirma, há um forte consumismo em todas as esferas e principalmente em torno das crianças e dos adolescentes.

“É uma realidade diferente. E acho que deve ser uma coisa cultural. Fico surpresa com o consumismo aqui no Brasil. Há uma onda de consumo diferente da de Quebéc. Lá as pessoas também consomem, mas o consumo visa ao conforto, ao prazer. Pagam caro por alguma coisa, mas à medida que esta coisa lhe proporcione conforto e tenha qualidade. Observo que lá há também um produto específico para cada trabalho, função, ação, esporte, passeio que você escolha fazer. Penso que é diferente daqui, onde o consumo parece estar mais ligado ao status que ele pode lhe proporcionar do que ao conforto. Aqui se preza mais pela quantidade do que pela qualidade. Há um forte comprometimento também com a moda, com o que está na moda. Creio que as pessoas consomem para os outros e menos para si”, destaca.

Com relação às crianças e os jovens, Dafne também observa que a relação delas com o consumo é diferente na província canadense. Não há publicidade, mas, sim, existem lojas de brinquedos nos shoppings, bem como redes de fast-food. “Mas lá, por exemplo, os brinquedos dos fast-food são vendidos separadamente. Feira de trocas de brinquedos é uma prática corriqueira. Por aqui, talvez, a sociedade veja como prática de uma classe menos favorecida. O que não acontece lá. Trocas de brinquedos são incentivadas e praticadas por todas as classes sociais. O que vai ao encontro de uma forte preocupação ecológica que também existe entre a população. De tempos em tempos, as pessoas montam uma mesa perto da casa, colocam seus brinquedos, por exemplo, e outros objetos à venda. Ou simplesmente trocam”.

Consumismo desenfreado

Festas infantis? Dafne explica que são, muitas vezes, ao ar livre, regadas a frutas, saladas e um bolo. “Há uma forte preocupação com a saúde alimentar das crianças. Lembro-me de vários comerciais e campanhas do governo incentivando uma alimentação saudável junto à infância e adolescência. Parece que há um respeito e uma preocupação maior para com a infância, seu crescimento e desenvolvimento. Não vejo muito isso por aqui”.

Segundo Dafne, a relação da sociedade com os meios de comunicação também é bem diferente da dos brasileiros. Televisão é objeto de consumo, mas o que lidera a audiência são os programas esportivos. A população faz bastante uso de computadores, internet e celulares. No entanto, estes últimos não são objetos da rotina de meninos e meninas, como acontece aqui no Brasil. Nas escolas, diz Dafne, tais tecnologias móveis não entram. São proibidas.

“Você acha que a publicidade voltada para as crianças e os jovens exerce uma forte influência no dia a dia deles? Contribui para um consumismo desenfreado?”, pergunto. Dafne não titubeia: “Não tenho a menor dúvida”. “Ela fez falta na vida das crianças?”. “Não”, finaliza Dafne.

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Marcus Tavares é jornalista, editor da revistapontocom, doutor em Educação pela PUC-Rio, colunista do jornal O Dia, professor da Escola Técnica Estadual Adolpho Bloch, do Colégio José Leite Lopes – NAVE e da UniverCidade