Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Biografias chapa-branca: fim de um ciclo

Assim como não há meia democracia, não há meia liberdade de expressão. Não é possível conceber que os escritores brasileiros tenham plena liberdade para tratar sobre quase todos os temas, mas estivessem sujeitos à censura prévia no caso das biografias não autorizadas.

Isto representava uma clara contradição com nossa Constituição-Cidadã, uma das únicas do mundo a proibir expressamente censuras à criação artística. A batalha que se travou para se assegurar um valor tão essencial teve o seu primeiro desfecho positivo na Câmara Federal com a aprovação do projeto que assegura plena liberdade aos autores de biografias não autorizadas.

A luta que colocou pessoas com história comum na defesa das liberdade não terminou: resta ainda a batalha no Senado. Mas a aprovação na Câmara foi um grande passo. Foi a vitória da democracia em um momento extremamente delicado, onde, aqui e ali, ouvem-se vozes pregando “o controle social” dos meios de comunicação. A Liberdade de Imprensa incomoda muito aos autoritários, mas também a todos os envolvidos em escândalos ou aqueles que se apropriam do aparato estatal para benefício pessoal ou partidário.

Uma censura prévia às biografias não autorizadas seria não apenas um retrocesso. Representaria uma porta aberta para atentados à liberdade, como os que se articulam. Felizmente a Câmara Federal, disse um não preventivo a futuras incursões liberticidas.

Sem retoques

O tema liberdade de expressão é uma questão sensível. Relaciona-se, diretamente, com um valor universal: a democracia. É natural, portanto, que a polêmica sobre as biografias tenha atravessado a fronteira nacional e ocupado espaços como o da Feira Internacional do Livro de Frankfurt (o maior evento do mundo, no gênero), no qual o Brasil em outubro do ano passado foi o país homenageado e onde ficou claro que poderia ter entrado em rota de colisão com o que pensa e pratica o mundo democrático.

A comunidade internacional temia que o Brasil, ao insistir em manter intacto o dispositivo 20 do Código Civil, reproduzisse a experiência de regimes autoritários e totalitários, onde as “biografias consentidas” são chapa-branca, verdadeiras hagiografias do ditador de plantão. Ou então uma falsificação grosseira da história.

Não há meia gravidez, não há meia democracia, não há meia liberdade de expressão. Em nenhuma hipótese justifica-se a censura prévia.

Só assim nosso povo conhecerá sem retoques a história das personalidades que constroem nosso país. E continuará tendo acesso a obras imortais como Chatô, de Fernando Morais, Marighella, de Mário Magalhães, O Anjo Pornográfico, de Ruy Castro e a belíssima biografia de Getúlio, de Lira Neto.

Para o bem da cultura, da literatura e da história brasileira, a Câmara dos Deputados deu o basta: censura nunca mais!

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Hubert Alquéres é vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro, ex-presidente da Imprensa Oficial de São Paulo (2003-2011).