Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As duas faces de um apresentador

Na segunda feira (6/5), o âncora do Jornal da Band Ricardo Boechat emitiu opinião na bancada do jornal sobre o polêmico caso de Fabiane Maria de Jesus (ver aqui) que, ao ser confundida com uma sequestradora de crianças na cidade de Guarujá, litoral de São Paulo, sofreu agressões de moradores da região, causando sua morte.

Em seu breve comentário, Boechat atribuiu a responsabilidade por esse crime e por outros de mesma natureza àqueles que divulgam mensagens de ódio nas redes sociais, como também àqueles que difundem a apologia ao crime em emissoras de televisão. O jornalista afirma que esses têm tanta responsabilidade quanto aqueles que praticaram o crime e que agora deveriam vir a público para prestar esclarecimentos sobre o resultado de suas supostas ações.

Apesar de não mencionar nomes, a citação foi interpretada pela imprensa como uma crítica velada à jornalista Rachel Sheherazade, apresentadora do SBT Brasil (ver aqui), que em fevereiro emitiu uma polêmica opinião sobre um caso de tentativa de linchamento contra um jovem assaltante no Rio de Janeiro. Naquela ocasião, Ricardo Boechat acusou a jornalista de apologia ao crime e classificou a sua opinião com de uma fascista.

Uma crítica hipócrita

Entretanto, ao analisarmos detalhadamente as posições do jornalista, podemos perceber certa incoerência. Em várias entrevistas concedidas (ver aqui), bem como em seus comentários diários na rádio BandNews FM (áudio aqui), Boechat afirma que, quando está em jogo o poder do Estado contra o cidadão, haveria ali uma liberdade de desrespeito às leis vigentes em prol de um bem maior, seja liberdade, justiça, contra corrupção, enfim todas as causas nobres.

Ao nos debruçarmos, porém, no caso concreto do cinegrafista Santiago Andrade, da mesma TV Bandeirantes, morto em fevereiro apenas por estar em rota de colisão com um rojão atirado por manifestantes contra policiais, o jornalista muda de opinião afirmando que houve ação exagerada e que aqueles que desferiram o rojão que acertou Santiago agiam por causa própria, e não defendendo o cidadão de um suposto Estado repressor.

Tanto a crítica de Boechat contra a opinião dos outros jornalistas quanto a análise sobre o caso do cinegrafista mostram-se incoerentes, uma vez que, ainda que estivéssemos em um Estado autoritário – o que não condiz com a realidade atual –, qualquer indivíduo que decide realizar um protesto agindo de forma violenta assume o risco de causar violência a si e a terceiros, pois apesar de querer dar dimensão de ser ao Estado, na realidade sempre haverá seres humanos, seja por trás de uma farda, seja por trás de uma câmera ou microfone. Logo, a crítica inicial de Boechat mostra-se no mínimo hipócrita, pois ao defender atitudes violentas contra um Estado, defendem-se atitudes violentas contra pessoas – afinal, o Estado, em última instância, é formado de pessoas. Talvez caiba a Ricardo Boechat vir a público e explicar o que acha que deve vir em primeiro lugar: o protesto a todo custo contra o chamado Estado ou os Direitos Humanos do indivíduo?

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Marcos dos Santos Farias é analista de Logística, Campinas, SP