Imagine uma pessoa que recebe como repórter mas é responsável pela edição do site de uma grande empresa jornalística, acumula as funções de chefe à noite e cuida das demandas de todas as praças no ritmo do “tempo real” característico da internet.
Imagine tudo isso numa noite de jogos de futebol, a redação rodeada de rádios estridentes, narradores aos berros.
Foi num ambiente assim, de madrugada, que essa malabarista já esgotada cometeu um erro primário, grosseiro, ridículo. No título de uma chamada, escreveu: “Motoristas e cobradores de ônibus do Rio de Janeiro fazerão uma greve de 24h nesta quinta-feira” (grifo meu).
Pois é: fazem, vão fazer… fazerão.
Atire a primeira pedra quem nunca escreveu uma barbaridade semelhante, na correria que dita o ritmo do trabalho. Ou quem nunca deixou de perceber um erro flagrante, por mais que tenha lido a frase várias vezes.
O fato ocorreu na quinta-feira (8/5), na Rádio CBN. Como seria inevitável, o erro circulou amplamente na internet e foi motivo de galhofa. Poderia ter sido só engraçado, mas foi dramático. Não só porque o episódio decorre daquilo que não costumamos considerar, menos ainda quem não é do ramo e não sabe como as notícias são fabricadas – a precariedade das condições de trabalho, o acúmulo de funções até o limite da exaustão –, mas porque a repercussão no mundo virtual, com piadas, ironias ou simples “kkkkk”, resultou na demissão sumária da jornalista.
Além de explicitar o exagero da punição e a falta de sensibilidade na relação entre a direção da rádio e seus subordinados, o episódio expôs um problema ético recorrente no jornalismo online: a “providência” de tentar apagar o erro através da pura e simples exclusão do link. Tentativa, além do mais, obviamente frustrada, porque a frase com a esdrúxula flexão verbal continua perfeitamente visível em todos os compartilhamentos.
Falta de critérios
A jornalista e professora Lívia Vieira enfrentou essa questão ao propor “parâmetros éticos para uma política de correção de erros no jornalismo online” (ver aqui) em sua dissertação de mestrado, apresentada em abril no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Além de mencionar a questão básica das condições de trabalho, a pesquisa expõe a falta de critérios e de cuidado nessa área. Aponta essa tentativa de “apagar” o erro tirando o link do ar e outras práticas muito comuns, como a informação sobre a “atualização” de uma matéria em determinado horário, sem a indicação do que foi atualizado – se há de fato alguma informação nova ou se houve alguma correção.
O certo, em qualquer caso, seria explicitar o erro, corrigi-lo e pedir desculpas pelo ocorrido, através de mecanismos indicados na parte propositiva da pesquisa. Mas o principal, evidentemente, é a atitude preventiva, uma vez que o que cai na rede, a rigor, não pode ser apagado, e um erro tende a se perpetuar. Daí a relevância de se promover um ambiente adequado para a produção do noticiário: embora se saiba que erros acontecem em qualquer atividade, por maior que seja a competência do profissional, em determinadas circunstâncias eles tendem a ocorrer com muito mais frequência.
O jornalismo do “tempo real” fornece cotidianamente uma profusão de exemplos de erros risíveis. Em geral, não são graves: como no caso exposto aqui, não são erros de informação ou interpretação, que têm ou podem ter sérias implicações éticas. Já esses – que tantas vezes não são erros, mas deturpações deliberadas – não costumam ser punidos. Muito menos com demissão.
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Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)