Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Boas histórias sobre perdas bilionárias

Refinarias de petróleo são caras em todo o mundo, mas no Brasil o problema é especial. Em nenhum outro país se gasta mais de 1 bilhão sem tirar do papel qualquer coisa parecida com um equipamento industrial. Em nenhum outro se iniciam obras e despesas sem um estudo de viabilidade.

Refinarias têm sido um dos assuntos mais quentes, na imprensa e na política, desde a divulgação, pelo Estado de S.Paulo, de novos detalhes de como a Petrobras perdeu centenas de milhões de dólares na compra de uma instalação superada em Pasadena, no Texas. A pauta foi enriquecida, pouco depois, com a história de um negócio duvidoso no Japão. O passo seguinte foi voltar a lente, de novo, para desperdícios bilionários no Brasil, com mais informações sobre maus investimentos já conhecidos.

Enquanto parlamentares discutiam, em Brasília, se haveria comissões de inquérito sobre a Petrobras, o metrô de São Paulo e o porto de Suape (PE), a imprensa continuou fazendo seu trabalho e produzindo muito mais informação do que qualquer comissão provavelmente produzirá nos próximos meses. A nova safra de informações sobre lambanças na área do petróleo começou na segunda semana de maio.

Lavagem de dinheiro

A Refinaria Premium 1, em Bacabeira, no Maranhão, já consumiu R$ 1,6 bilhão sem ultrapassar a fase de terraplenagem, noticiou o Globo na manchete de domingo (11/5). Essa instalação deveria ser a maior do Brasil, segundo anunciaram em 2010 o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a chefe de sua Casa Civil, ministra Dilma Rousseff. Segundo a reportagem, relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), citado com muitos detalhes, mostrou irregularidades e falhas no planejamento.

Mas por que o Maranhão foi escolhido? Ficou clara, desde o primeiro anúncio, a intenção de atender a interesses da família Sarney, aliada do governo. A imprensa mostrou isso na época. “No Plano de Negócios para o quadriênio 2013-2017, o empreendimento consta apenas na carteira de fase de projeto”, informou o Globo.

Menos de uma semana depois, na quinta-feira (15/5), o Valor saiu com uma nova boa história sobre esse tipo de investimento. Segundo a reportagem, gastos de bilhões com a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, foram iniciados antes da aprovação, pelo conselho administrativo, de um estudo de viabilidade econômico-financeira.

O desastre financeiro da Abreu e Lima era conhecido, assim como sua origem política. A ideia inicial, moldada segundo a diplomacia do Palácio do Planalto, era um investimento conjunto da Petrobras e da PDVSA. A empresa petrolífera venezuelana jamais pingou um centavo, mas a obra foi iniciada assim mesmo. Também já se sabia da multiplicação do custo, de R$ 4 bilhões estimados inicialmente para cerca de R$ 40 bilhões.

As novidades da reportagem são detalhes sobre os contratos e sobre decisões financeiras. Essas informações foram obtidas porque o jornal conseguiu acesso a 123 atas de reuniões do conselho de administração, “em reuniões presididas, entre março de 2008 e dezembro de 2013, pelo ex-diretor de refino e abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa”. Esse ex-diretor, lembra a reportagem, está preso desde 20 de março. Sua prisão foi um dos resultados da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. A parceria desse ex-diretor da estatal com o doleiro Alberto Youssef, suspeito de lavagem de dinheiro, foi um dos assuntos investigados nessa operação. Mas a história divulgada até agora é muito mais rica e envolve políticos e outras áreas da administração federal.

Esforço bem-vindo

Em maio, os leitores têm conseguido um bom retorno sobre o dinheiro gasto com jornais. Além de boas histórias exclusivas, como as do Globo e do Valor sobre os bilhões mal aplicados em refinarias, a cobertura econômica tem proporcionado diversão. Numa entrevista publicada pela Folha de S.Paulo na quarta-feira (14/5), o ministro da Casa Civil, Aloízio Mercadante, confirmou e tentou justificar o represamento de tarifas pelo governo. No mesmo dia, em depoimento no Congresso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, desmentiu seu colega, como ressaltaram a própria Folha e o Estado de S.Paulo.

Mas, além de chamar a atenção para esse fato, o Estadão ainda confrontou, na mesma reportagem, as palavras de Mantega e os comentários críticos sobre a economia brasileira apresentados em conferência em Nova York pelo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Olivier Blanchard.

Nem sempre o bom jornalismo depende de um furo. O esforço de juntar coisa com coisa, relacionando notícias diferentes, pode tornar uma cobertura muito mais informativa e mais condimentada. Os jornais seriam muito mais úteis, mais gostosos e menos burocráticos se esse esforço fosse feito com mais frequência.

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Rolf Kuntz é jornalista