Uma peça de teatro sacode Londres: Rei Charles 3º, de Mike Bartlett. Trata-se de uma comédia macabra envolvendo a família real britânica. Começa com a morte da rainha Elizabeth 2ª e a subida ao trono de seu filho Charles. A sucessão se complica quando, fiel a seus princípios, Charles viola uma cláusula pétrea das relações entre os poderes, recusando-se a chancelar determinado projeto do primeiro-ministro David Cameron.
A situação azeda e, para não passar por tíbio junto aos políticos, Charles dissolve o Parlamento e planta um tanque nos jardins de Buckingham. Temendo que a crise leve ao fim da monarquia, o príncipe William, seu filho e primeiro na linha de sucessão, tenta convencer Charles a abdicar. A peça evoca tanto a violência de Shakespeare quanto alguns de seus personagens. Kate, mulher de William, incorpora o diabolismo de Lady Macbeth, e a falecida princesa Diana ressurge para Charles como um fantasma. Todos estão em cena com seus rostos e nomes.
Contra a censura, mas a favor
“É a peça mais fascinante de lèse-majesté que o teatro inglês já viu”, escreveu um crítico. Há quem discuta sobre se ela não será cruel demais para com a família real. Outros se perguntam se, com sua ardente militância em questões de saúde e ambiente, Charles não imitará seu personagem e tentará tomar o freio nos dentes quando e se chegar ao trono. Mas não passa pela cabeça de ninguém que a peça deva ser proibida.
Enquanto isso, no Brasil, outro “rei”, muito mais cioso de sua majestade, volta a se declarar “favorável às biografias não autorizadas”, desde que “sejam feitos ajustes” nos textos a ser publicados. Ou seja, Roberto Carlos é contra a censura, mas a favor dela.
Na Grã-Bretanha, um príncipe de verdade paira sobre o que escrevem a seu respeito. Aqui, somos reduzidos a súditos de um “rei” coroado pelo Chacrinha.
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Ruy Castro é colunista da Folha de S. Paulo