Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Um exercício de especulação

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, surpreendeu a imprensa, o mundo político e até seus pares, ao anunciar, na quinta-feira (29/5), que pretende se aposentar prematuramente, antes do recesso de julho. A decisão, comunicada pela manhã à presidente da República e depois aos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, foi oficializada durante sessão do STF e detonou uma sequência de especulações nas mídias sociais.

Na sexta-feira (30), os jornais estampam manchetes óbvias, anotando que o PSB e o PSDB moveram interlocutores para atrair o ministro e lhe oferecer uma ficha de filiação, mas o noticiário registra também que Barbosa está impedido de disputar as eleições deste ano, por ter deixado passar o prazo para filiação partidária. Com cerca de 14% de potenciais eleitores, segundo pesquisas de intenção de voto, o presidente da Suprema Corte se transforma em cabo eleitoral dos mais disputados.

As reportagens publicadas pelos três principais jornais de circulação nacional destacam o papel exercido pelo ministro no julgamento da Ação Penal 470, principalmente seu empenho em mandar para a cadeia e manter presos dois dirigentes do Partido dos Trabalhadores condenados no processo: o ex-ministro José Dirceu e o ex-deputado federal José Genoíno.

A exceção fica por conta do Globo, ao afirmar, em manchete, que a decisão de Joaquim Barbosa de antecipar sua aposentadoria se deveu a ameaças que supostamente vinha recebendo. Trata-se, evidentemente, de uma forçada de mão. Essa versão, que só seria sustentada se o próprio ministro viesse a declarar que esse era o motivo real de sua decisão, não resiste à mais simplória das análises.

Para começo de conversa, basta observar que, se levasse a sério bravatas de alucinados usuários das redes sociais e temesse por sua integridade pessoal, Joaquim Barbosa permaneceria no cargo, onde conta com serviço oficial de segurança. Se vai deixar a Corte para voltar a dar aulas e, como declarou, retomar a normalidade da vida civil, obviamente a manchete do Globo é uma redonda bobagem.

Longe dos holofotes

Resta imaginar por que razão o diário carioca cairia na armadilha fácil que foi desprezada por seus concorrentes, considerando-se que nem mesmo o Jornal Nacional, da Rede Globo, avalizou a versão do jornal e o portal G1.com, do mesmo grupo empresarial, abandonou rapidamente a hipótese apresentada pela manchete do jornal.

Cada leitor pode imaginar as motivações dos editores, que avançaram além do que lhes permitiria o conjunto das informações disponíveis, mas não se pode fugir à evidência de que o Globo pretendeu emprestar uma coloração partidária à decisão pessoal do presidente do STF.

No começo de abril, quando Joaquim Barbosa deixou passar o prazo para se filiar a um partido político, condição que o habilitaria a disputar as eleições deste ano, alguns colunistas adiantaram que ele iria requerer aposentadoria provavelmente ainda em 2014. Na mesma época, noticiou-se que ele teria pedido a contagem do tempo em que havia servido como oficial de chancelaria no Ministério das Relações Exteriores, e reproduziram-se declarações dele afirmando que gostaria de voltar a dar aulas e sair de sob os holofotes da mídia.

Portanto, a afirmação do Globo, de que sua decisão teria a ver com uma suposta intensificação de ameaças, não apenas não faz o menor sentido como contradiz os fatos.

É mais provável que Joaquim Barbosa tenha precipitado sua aposentadoria porque, a partir de novembro, quando deixasse a presidência do STF, seria substituído pelo atual vice-presidente, ministro Ricardo Lewandowski, seu desafeto público e notório. Habituado ao centro do palco, Barbosa certamente se sentiria desconfortável no papel de mero coadjuvante, tendo no tablado principal o colega com quem manteve disputas acirradas e pouco protocolares.

Ao escolher o período da Copa do Mundo para anunciar sua saída de cena, o controverso magistrado demonstra um atilado senso de oportunidade, pois sabe que em poucos dias a pauta dos jornais vai se deslocar de Brasília para a Arena Corinthians, e dali para os demais estádios que vão abrigar a disputa futebolística.

Para frustração da imprensa hegemônica e alívio de seus adversários, Joaquim Barbosa vai provavelmente fazer o caminho inverso de Getúlio Vargas: está deixando a História para viver a vida.