Faz mais ou menos um mês, algo diferente teve início na Amazon americana: livros começaram a faltar. Não quaisquer livros. Livros importantes, populares. Os do conhecido jornalista Malcom Gladwell, por exemplo, de “Davi e Golias” e “Ponto de Virada”. Ou os de J. D. Salinger, cujo “Apanhador no Campo de Centeio” é um dos principais best-sellers do último século. E ainda o último Robert Galbraith, pseudônimo que a escritora dos Harry Potters, J. K. Rowlling, usa para assinar seus novos romances policiais. Procure o livro na livraria e lá está o veredicto. Demora duas a três semanas para chegar da editora.
Só um problema: o grupo francês Hachette, quarto maior do mundo, dono de selos como Larousse e os americanos Time Warner e Hyperion Books, diz ter entregue caixas e caixas à maior livraria virtual dos EUA.
Em números “Forbes” de janeiro, a Amazon americana faz US$5,25 bilhões de dólares anualmente vendendo livros. Nenhum concorrente chega sequer perto. Quase 20% de todos os livros vendidos nos EUA são para o Kindle, leitor eletrônico da empresa. Deste mercado de e-books, eles controlam 65%. (Hoje, apenas 10% dos livros americanos são vendidos em pequenas livrarias.)
O peso da Amazon é tão grande que ela pode impor condições. A Random House, por exemplo, uma das maiores editoras por lá, dá em média 53% de desconto em cada título. É a condição para estar presente no lugar em que cada vez mais pessoas compram seus livros. E o site jamais foi tímido em colocar todo este peso na mesa de negociação. Impôs um preço baixo aos e-books, recebe descontos que lhe permitem cobrar menos do que qualquer outro do mercado por títulos populares.
Até então, na briga entre capitalistas, da empresa de Jeff Bezos sempre se ouviu um argumento: a maneira como negociam pode não ser bonita ou simpática, os românticos podem até lamentar o fim das pequenas livrarias de bairro, mas em última análise o cliente sai ganhando. Afinal, os preços caem, encontrar livros difíceis ficou mais fácil.
Perdas e ganhos
Pois algo, repentinamente, mudou. Nem a Hachette, tampouco a Amazon, estão falando muito. A seus autores, evidentemente preocupados, os franceses enviaram uma carta dizendo que estão trabalhando duro para negociar. Sem entrar em detalhes.
Na mesa, aparentemente, há duas discussões. Uma envolve o preço a ser cobrado em cada edição eletrônica. A outra passa pelas condições em que a Hachette tornaria disponível seus títulos fora de catálogo para impressão por demanda.
A Amazon gostaria de poder imprimir um exemplar de qualquer título que não estivesse já impresso. É ótimo. As editoras querem negociar o como. Do jogo. Para forçar a mão, quem está pagando o pato são os autores e os consumidores. Os livros de J. K. Rowling e Malcom Gladwell, afinal, não estão esgotados. Pelo contrário. Permanecem nas principais vitrines até das lojinhas de bairro.
Mas a Amazon tem um monopólio importante. Um grupo grande resiste a seu boicote por algumas semanas. Até eles, porém, têm limite. Amargam um prejuízo alto. Uma hora, terão de ceder. É a loja eletrônica que tem o poder.
Este é o segredo pouco contado da internet: ela promove monopólios. Quanto mais usamos um serviço, mais útil fica para todos. Sim, na rede todo mundo pode publicar. Mas é nos gigantes que circulamos todos. Monopólios de informação da era digital: Amazon, Google, Facebook. Excelentes serviços cada um. E com uma quantidade incrível de poder. Ganhamos e perdemos. Ainda não vimos como este poder pode ser usado. No caso da Amazon, é a primeira vez que o consumidor saiu perdendo.
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Pedro Doria, do Globo