Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma aula de cidadania

Não há mais espaço para uma visão ingênua acerca das redes sociais. Das manifestações populares no Egito à barbárie em Guarujá (litoral de São Paulo), comprovações não faltam de que, para o bem ou para o mal, as redes sociais estão em nosso cotidiano atuando em informações, ideias e boatos. A adolescente Isadora Faber viveu essa afirmativa da melhor e da pior maneira. Tudo começou quando, inconformada com os problemas de ensino e de infraestrutura da sua escola, a garota criou uma página numa rede social chamada “Diário de Classe” para denunciar as negligências. A iniciativa chamou a atenção da imprensa e de milhares de internautas. No entanto, ela sofreu ameaças e perseguições. A saga agridoce da estudante é contada em detalhes na autobiografia Diário de Classe – A verdade: a história da menina que está ajudando a mudar a educação no Brasil (editora Gutenberg, 2014, 272 páginas).

Isadora Faber tinha 13 anos quando estudava em um colégio público de Florianópolis (SC) e se deu conta das diferenças entre a sua escola e a escola particular em que a sua irmã mais velha estudava. A fim de fazer algo para mudar o quadro, já que as queixas diretas não estavam surtindo efeito, começou a publicar na internet textos, fotos e vídeos sobre a rotina e os mais variados problemas da sua escola. A página virtual cresceu, ganhou repercussão e dividiu opiniões. Mesmo debaixo de críticas e intimidações por parte da direção do colégio, dos professores, funcionários e até de alguns colegas, Isadora, numa coragem inspiradora, escolheu continuar com as “postagens denúncias”, ao mesmo tempo em que algumas reivindicações eram atendidas.

A inércia coletiva

No livro, Isadora Faber recria a sua jornada árdua, expondo os bastidores da criação do “Diário de Classe” até os dias atuais. Com a mesma linguagem simples e direta empregada em sua página na internet, ela narra as agruras e as alegrias vividas desde que decidiu lutar por melhorias para a sua escola. Contando, para isso, com o auxílio da compilação de algumas postagens publicadas desde o início da página – sem revisão, em nome da autenticidade – entrecortadas com relatos sobre as repercussões dos textos fora da internet. Nada prejudicial. Aliás, só pelo fato de ter sido escrito por uma adolescente consciente de seus deveres e direitos, e ciente de que os serviços públicos são pagos por meio de impostos, e por isso devem ser de qualidade, acabamos nos apegando mais à ideia poderosa que o livro nos traz do que à forma como ela nos é apresentada.

Assim, conforme lemos, a obra torna-se, não uma autobiografia, no sentido consagrado do termo, embora nos apresente detalhes da vida (simples) da autora, mas uma comprovação de que é possível fazer uma revolução, mesmo pequena, sem quebrar uma vidraça sequer. Torna-se um convite à luta por melhorias com o que temos em mãos e com o que está ao nosso alcance. Um bem-vindo encorajamento à amplificação de inquietações pragmáticas. Tanto que, ao final do livro, há até um apêndice com dicas para quem quiser iniciar o próprio “Diário de Classe”.

Mais que uma lição de cidadania, o exemplo de Isadora Faber nos permite enxergar que o sistema educacional do Brasil (assim como outros serviços públicos) ainda tem muito o que melhorar, sim. Porém, se todo mundo se juntar, os resultados podem ser bons. E a internet (especialmente as redes sociais), se bem usada, pode ser uma poderosa aliada nessa empreitada. Mas primeiro temos de nos desatar dessa inércia coletiva, que alimenta os descasos que assolam o nosso país.

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Luiz Guilherme Melo é jornalista, Manaus, AM