Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O novo marco regulatório no projeto e na prática

A última semana de maio trouxe uma notícia que, mais uma vez, coloca o PT contra os grupos de comunicação do Brasil. O motivo? A nova agência de notícias do partido anunciou que “regulação da mídia entra na pauta do programa do governo do PT“. É que a Comissão Executiva aprovara no dia 26 de maio as Diretrizes do Programa de Governo para a campanha de reeleição da presidenta Dilma Rousseff. A regulação é colocada como condição para a democratização da comunicação no país, com o texto lembrando que se tratava de uma sugestão do ex-presidente Lula ao falar no Congresso do partido deste ano.

A repercussão foi a de sempre. Para quem está ligado de alguma forma ao Partido dos Trabalhadores, o sentimento é de que finalmente o tal do “Partido da Imprensa Golpista” (PIG) vai receber o que merece. Do lado dos grupos comunicacionais, textos de opinião tratam tal assunto como censura, nos moldes dos governos “comunistas” de Cuba e Coreia do Norte. Para quem não vive da dualidade azul e vermelho e defende a necessidade de um marco regulatório na radiodifusão com participação dos movimentos sociais nas discussões e que beneficie o direito à comunicação, restou respirar fundo e acompanhar a briga que costuma aparecer com mais força a cada período eleitoral.

Pode parecer pessimismo da minha parte, mas tentarei expor neste texto o porquê do sentimento de não crença, por mais que a Folha de S.Paulo tenha publicado que o intuito da presidenta, caso seja reeleita, seja o de encaminhar um projeto de regulação econômica da mídia, na regulamentação dos artigos 220 e 221 da Constituição, o que já seria um avanço, tendo em conta que os artigos estão há 26 anos sem regulamentação. Eles indicam a liberdade de informação jornalística, regras para a publicidade, mas também que os meios de comunicação não podem ser objeto de monopólio ou oligopólio e os princípios para a programação das emissoras de rádio e TV.

Debate pouco avançou

Curioso foi ver, especialmente após o fim do seu segundo mandato, o quanto o presidente Lula reclamou de possíveis distorções da imprensa, a ponto de defender a sua regulação. Curioso sim, afinal, foram oito anos de mandato, com mudanças no comando do Ministério das Comunicações, com alguns nomes (como Hélio Costa) com ligação aos radiodifusores e pouca coisa de efetivo. O projeto só veio aparecer ao final do segundo mandato, realizado pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social Franklin Martins. A distribuição de recursos da União para publicidade aumentou no período, com a distribuição regionalizada da mesma só aparecendo nos últimos momentos do governo.

Os professores Paulo Fernando Liedtke e Itamar Aguiar, da UFSC, apresentaram um trabalho no Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação de 2011 que trata dos avanços e retrocessos das políticas de comunicação no governo Lula. Os autores chegaram à seguinte conclusão: “Apesar de criar instrumentos de diálogo com a sociedade civil, a exemplo da Confecom, os dois mandatos demonstraram que o governo se intimidou com a repercussão negativa na imprensa das propostas democratizantes da comunicação, bem como, valorizou majoritariamente o interesse dos empresários da mídia, tanto na aprovação do padrão japonês da TV digital, como na implantação de medidas redutoras à concentração de propriedade nos meios de comunicação” (LIEDTKE; AGUIAR, 2011, p.11).

No texto há a análise sobre determinados acontecimentos do governo. Chamo a atenção, até pela notícia da semana passada, sobre os projetos de campanha. Segundo os autores, em 2002, “o debate sobre a democratização da comunicação integrou documentos oficiais de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva a partir da contribuição de setores organizados da sociedade civil, mas acabou ficando de fora da redação final do programa de governo” (LIEDTKE; AGUIAR, 2011, p.1). Assim, o pouco avanço na área já poderia ser imaginado, ainda que a esperança, tema da campanha, persistisse.

Regulamentação da radiodifusão

Se o primeiro mandato foi marcado pela decisão sobre o modelo de TV digital no país, o segundo teve mais avanços, caso da entrada no ar da TV Brasil, no final de 2007, e da realização da Confecom em 2009. Isso já estava proposto durante o embate eleitoral, em que a campanha de Lula criou um “Caderno Setorial sobre a Política de Comunicação”, incluindo na agenda pública o tema da democratização da comunicação, ao contrário das eleições anteriores.

A proposta de uma Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM), que parou ainda no Ministério da Cultura no governo FHC, em 2001, entretanto, foi tratada muito tarde no governo Lula. Apenas em julho de 2010 criou-se uma Comissão Interna para a revisão do marco regulatório do setor, cujo pré-projeto ficou pronto em novembro de 2010, como já afirmado. Foi com Franklin Martins como ministro-chefe da Secretaria da Comunicação Social que o tema da democratização da comunicação chegou ao seu ápice em 12 anos de governos com presidentes do PT, com um claro defensor do tema numa pasta importante.

Enquanto isso, a Argentina aprovara sua Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual em 2010, ainda que com forte pressão e participação dos movimentos sociais no processo, ao contrário daqui. Os efeitos da descentralização da propriedade finalmente podem ser vistos a partir de 2014 após decisões judiciais, com o Grupo Clarín se desfazendo de empresas em alguns mercados.

Da mesma forma que agora, há quatro anos o tema da regulamentação da radiodifusão apareceu nas Diretrizes do PT para o possível governo Dilma. Porém, o tema foi deixado ao largo do debate, após pressão dos grandes grupos comunicacionais, e também não entrou no projeto da candidatura.

Marco regulatório

Esperava-se que com um ministro do PT, Paulo Bernardo, no Ministério das Comunicações, as históricas reivindicações dos movimentos pela democratização da comunicação pudessem seguir adiante, ainda mais com um pré-projeto deixado na gaveta pelo governo anterior. Não foi isso o que ocorreu. Bernardo deixou clara a necessidade de revisar o pré-projeto para não arranjar briga à toa com os grandes grupos comunicacionais. Nesta perspectiva, o governo Dilma partiu para a regulamentação da TV fechada, unindo as legislações em torno da lei 12.485/2011, a Lei do Audiovisual, que restringiu a propriedade cruzada ao impossibilitar a participação de grupos detentores de concessões públicas nas instâncias executivas de distribuidores de pacotes de TV fechada, caso da Globo na Sky. O texto beneficia as transnacionais, que caminharam alguns passos adiante no setor.

Além disso, o projeto de operador de rede pública seguiu em frente, com estudos que visam permitir uma maior colaboração em conteúdos entre as TVs público-estatais do país, tendo em vista também uma estrutura que possa garantir a digitalização dos canais. Outro setor que teve pequenos passos à frente foi a radiodifusão comunitária, que criou mais ferramentas para que as concessões contassem com um maior apoio de associações comunitárias e diminuiu um pouco o tempo de percursos burocrático no ministério, ainda que esteja longe do ideal e persistam outros problemas – como pensar a estrutura das rádios não comerciais quando vir a digitalização deste meio.

É preciso salientar que a presidenta Dilma sempre destacou ser defensora da “liberdade de imprensa”, fugindo do tema da regulação dos meios de comunicação.

São 12 anos decorridos. 12 anos para formular e gerar mais discussões sobre uma necessidade de regulamentação que também é para atender às mudanças tecnológicas. Há o problema da “governabilidade”; o Congresso é formado por pessoas com concessões, como o próprio Ministério das Comunicações mostrou ao difundir a lista de concessionários da radiodifusão em 2011. Para além disso, famosos nomes que constam neste ínterim são pesados apoios políticos aos governos petistas, casos claros de ex-”inimigos” José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor (PTB-AL).

Aceitar colocar adiante a discussão sobre um novo marco regulatório é enfrentar a pressão externa sob pecha de censura e autoritarismo e, especialmente, a pressão interna que surgirá a partir dos partidos que conformam a base do governo. O lobby a favor dos grupos comunicacionais nunca foi pequeno – como comprova, lá atrás, a aprovação do Código Brasileiro de Telecomunicações, ainda em vigor para a radiodifusão de difusão gratuita, que passou por cima dos 52 vetos do presidente João Goulart com um Congresso Nacional sob pressão da recém-nascida Abert. Resta saber se finalmente o ponto deixará de ser um tópico do programa de governo aprovado pelas bases de um partido e passará a ser defendido dentro dele em caso de eleição.

Sem dúvida, até pelo avanço tecnológico de 1962 para cá, o marco regulatório do setor necessita ser renovado. Torcemos para que quando isso ocorra que seja através de um verdadeiro e amplo debate social, para que haja mais espaço para a aplicação de um efetivo direito à comunicação no país.

Referência bibliográfica

LIEDTKE, Paulo Fernando; AGUIAR, Itamar. Políticas Públicas de Comunicação no Governo Lula (2003-2010): Avanços e Retrocessos Rumo à Democratização do Setor. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 34., 2011. Recife. Anais… São Paulo: Intercom, 2011.

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Anderson David Gomes dos Santos é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação