Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O primeiro grande desafio do Conselho Curador

Após quatro reuniões para definição do seu funcionamento interno e conhecimento da situação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), os membros do Conselho Curador da instituição deparam-se com o que consideram sua primeira prova de fogo: a análise das denúncias de intervenção editorial em favor do governo federal feitas pelo jornalista Luiz Lobo ao ser demitido no início de abril deste ano. A avaliação dos conselheiros sobre a instância após seis meses de sua instalação mostra que questões sobre o caráter e a forma de organização do Conselho, ainda alvo de críticas por parte de entidades da sociedade civil, já são consideradas superadas.

‘O primeiro grande momento do Conselho será este [o caso Lobo]’, diz o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, integrante da instância. O caso é considerado a primeira grande denúncia de práticas de defesa do governo em uma emissora que se pretende pública. De acordo com Maria da Penha, o episódio marca um momento de afirmação do Conselho. ‘Temos trabalhado para tomar conhecimento sobre o que é a TV pública, sobre o que a EBC faz, mas acho que a partir de agora é que vamos começar a consolidar as nossas opiniões’, comenta.

A próxima reunião, prevista para o início de julho, irá avaliar o relatório feito por uma comissão interna com os resultados da apuração do caso Luiz Lobo.

Segundo Cavalcanti Filho, a comissão ouviu Luiz Lobo e a diretora de jornalismo da empresa, Helena Chagas, e já finalizou o relatório. Em encontro anterior, o Conselho ouviu o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Franklin Martins, que considerou pouco provável a existência das atitudes apontadas nas denúncias. Um dos integrantes da comissão, Cavalcanti Filho demonstra confiança na direção da empresa. ‘Tenho uma boa impressão das pessoas que estão na direção, não tenho dúvida do seu espírito público’, avalia o advogado.

Transparência

Se para conselheiros a garantia da independência da EBC está na proteção interna contra ‘chapa-branquismos’, como os que supostamente teriam motivado a saída de Luiz Lobo, para entidades da sociedade civil ela está na possibilidade da população poder intervir nos destinos da EBC e de seu veículo mais visado, a TV Brasil. Escolhido como espaço privilegiado para acolher a contribuição da sociedade, o Conselho Curador tem sido alvo de questionamentos pela falta de transparência.

‘Não dá para conceber que o Conselho Curador de uma TV pública tenha reuniões fechadas e não tenha nem sequer as atas divulgadas’, reclama João Brant, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Para Romário Schettino, o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, não há como avaliar se o Conselho está cumprindo sua função de representante dos interesses da sociedade se a população não sabe o que se passa nas suas reuniões ordinárias. ‘É fundamental, para garantir a transparência da gestão, que as reuniões sejam abertas e divulgadas’, defende. Ele questiona por que o Conselho da EBC não pode seguir o exemplo de outros órgãos consolidados do Estado brasileiro. ‘Se o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional são abertos, por que não o Conselho Curador?’, indaga.

Para o presidente do órgão, Luiz Gonzaga Beluzzo, a cobrança é equivocada e não será atendida em sua gestão. ‘Não vou fazer reuniões abertas. O Conselho tem legitimidade para tomar suas decisões e há assuntos que têm que ser discutidos com muito cuidado sem que ele seja entregue ao imediatismo’, rebate. Beluzzo considera importante que a instância colha opiniões da população, mas afirma que para isso haverá audiências públicas específicas. Ainda não há nenhuma agendada, mas ele prevê a realização de duas por ano.

A questão do formato das reuniões foi debatida na ocasião da apreciação do regimento interno, mas prevaleceu a concepção de não abrir os encontros pelo receio de que isso poderia atrapalhar o andamento dos trabalhos. ‘Não sei se seria produtivo no momento pela possibilidade de haver muita interferência. Acho que audiência pública dá mais condições e poderia acontecer de maneira mais organizada do que reuniões abertas ao público’, argumenta a conselheira Maria da Penha.

José Paulo Cavalcanti Filho relativiza o problema apontado. ‘Quando eu era presidente do Conselho de Comunicação Social este risco não se verificou. Lá, optei por primeiro fazer a pauta e depois abrir palavra para o público e funcionou’, conta. Favorável à abertura, ele lembra que há várias possibilidades, como a participação com ou sem direito à voz. No segundo caso, continua, não haveria o risco levantado. Para Romário Schettino, o Conselho poderia utilizar do expediente de reuniões fechadas para assuntos delicados, mas isto deveria ser a exceção e não a regra.

Outros mecanismos

Na opinião de João Brant, do Intervozes, para assegurar seu caráter efetivamente público, a EBC precisa instituir outros mecanismos de participação para além do Conselho Curador. ‘É preciso garantir um conjunto de instrumentos que viabilize a participação da sociedade, em suas múltiplas representações. Isso não é favor, é parte da missão da nova empresa’, diz. Alguns possíveis mecanismos citados por Brant são audiências e consultas públicas, conselhos de programação, pesquisas periódicas e instrumentos de diálogo mais cotidiano com caráter independente, como a ouvidoria.

Das iniciativas apontadas, a ouvidoria é a única que está próxima de se tornar realidade. Segundo a presidente da EBC, Tereza Cruvinel, a norma com o desenho final está sendo finalizada, mas já está definido que haverá um ouvidor-geral e outros três ouvidores, sendo um para a TV Brasil, um para a Agência Brasil e um para as emissoras de rádio. Ela acrescenta que o sítio da TV Brasil também tem se constituído em espaço de contato com a população, tendo recebido correspondências eletrônicas freqüentes com reclamações e sugestões sobre a programação.

A discussão deve esquentar nas audiências que serão realizadas pelo Conselho Curador. ‘As audiências serão públicas, vamos dialogar com a sociedade e nos submeter à critica’, avisa Luiz Gonzaga Beluzzo. A disposição é importante, pois junto às sugestões de como abrir o Conselho e a EBC ao público os questionamentos certamente virão.

******

Do Observatório do Direito à Comunicação