Nem chegará. O governo e alguns círculos do PT gostariam de interromper a lua de mel entre a presidente Dilma Rousseff e a mídia iniciada antes mesmo da sua posse. Para isso precisariam obter a anuência do PMDB, mais especialmente do atual vice-presidente Michel Temer, que, por convicção ou preguiça, empenha-se em manter a impressão de idílio.
Tudo indica que alguma ameaça será pendurada no programa que o Partido dos Trabalhadores registrará na Justiça Eleitoral para concorrer nas presidenciais. Para não acirrar os ânimos, a planejada “regulação” ficará confinada à esfera econômica e concorrencial. O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), autarquia do Ministério da Justiça, já foi chamado a mediar pendências sérias que até envolveram o Grupo Globo. Ninguém denunciou a entidade por atuar contra a independência da mídia.
Fundado em 1962, o CADE funciona como um tribunal para prevenir, desarmar e punir abusos de poder econômico. É o equivalente da americana FTC – Federal Trade Commission (criada em 1914). Como não é restrito à imprensa, evitam-se as semelhanças com órgãos executores da uma Lei de Imprensa.
Avanço significativo, porém distante do que se poderia considerar “padrão FIFA”. O CADE não tem poderes para acabar com a aberrante ilegalidade instalada no Congresso Nacional, onde parlamentares são simultaneamente concessionários de serviços públicos. Notadamente na mídia eletrônica. O órgão capaz de desbaratar essa anomalia é a Procuradoria Geral da República, que já recebeu alentados dossiês e os arquivou (um deles apresentado pelo Projor, entidade mantenedora deste Observatório; ver “Concessionários de radiodifusão no Congresso Nacional: ilegalidade e impedimento”).
Viés conservador
O CADE também não tem condições de cassar as concessões de emissoras pertencentes a confissões religiosas, muito menos de proibir que emissoras de TV aberta arrendem seu horário para cultos religiosos, contrariando todos os princípios do Estado de Direito democrático e secular.
A reativação do CADE é uma fórmula jeitosa, capaz de minorar ímpetos oligopolistas, mas incapaz de estimular movimentos reestruturantes, reparadores ou, ao menos, renovadores. A mídia continuará desconectada do interesse público, atenta às jogadas empresariais e pessoais. Em outras palavras: continuará desnorteada, correndo como uma barata tonta, sem fôlego para arejar e estimular um debate mais sério.
Na capa da “Ilustrada” (Folha de S.Paulo, segunda, 2/6), uma brilhante entrevista com o jornalista americano David Carr (ver "A novela da mídia") revela o clima desinibido que impera na redação do New York Times, onde é possível reportar livremente uma crise interna, a demissão sumária do diretor ou o tropeço do acionista principal. Truque perfeito: discute-se sem constrangimentos o direito à critica que gozam os jornalistas americanos e passa-se a impressão ao leitor brasileiro que isso é possível nestas bandas. Experimentem.
O “padrão FIFA” na mídia compreende uma devassa na própria FIFA e na sua afiliada, a CBF. Isso não foi feito e precisa ser feito com urgência. O efeito será equivalente a dez Pasadenas.
A extraordinária repercussão do livro do francês Thomas Piketty, Capital no século 21, foi distorcida pelo viés altamente conservador da nossa imprensa. Os textos elogiosos do Wall Street Journal e do Economist foram registrados, mas devidamente engavetados. Mencionou-se livremente a expressão “acumulação de riqueza”, mas evitou-se a palavra-tabu: concentração.