Cuidado: ter milhares de seguidores no Facebook é como ficar rico no Banco Imobiliário. Se dezenas de milhares de pessoas confirmarem presença numa manifestação, nas redes sociais, isso quer dizer que meia dúzia vai aparecer – e, dessa meia dúzia, dois ou três estarão interessados em conhecer pessoalmente algum famoso que jurou que compareceria e, naturalmente, não compareceu.
Rede social, então, não tem qualquer importância? Tem, claro: funciona como fábrica de consensos. Alguém publica que o presidente Barack Obama é loiro de olhos azuis, e escurece a pele com cosméticos para fazer marketing, e a mensagem é repetida por robôs – robôs de verdade ou apenas pessoas que só não são robôs por falta de raciocínio – até a exaustão, até que haja alguém convencido de que Obama usa até lentes de contato para ficar com olhos cor de jabuticaba. Não dá muito trabalho e é barato, já que os robôs, tanto os de verdade quanto os humanos, estão dispostos a esfalfar-se e não custam quase nada. Mas rede social também tende a enganar quem a utiliza, e que imagina que, repetindo milhares de vezes o mesmo mantra a milhares de pessoas, passa a ser dono da verdade.
Há outro risco: na busca da superioridade virtual, candidatos a cargos eletivos correm riscos de fazer bobagem e perder votos reais, além de ter problemas com a lei. Publicidade virtual é barata, mas as multas, embora baixas, são em dinheiro real.
Casos recentes:
1. Daniel Graziano, gerente administrativo do Instituto Fernando Henrique Cardoso, filho de Xico Graziano, coordenador de Mídias Sociais do PSDB, está sendo investigado pela suspeita de ter participado da difusão de boatos infamantes sobre Fábio Luís Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula.
2. Há investigações sobre o caso Letrinhas, sobre ataques difamatórios sofridos pelo candidato tucano Aécio Neves. Duas pessoas fictícias, Letrinhas e Naldinho Silva, publicavam boatos infamantes sobre o candidato. Imediatamente, as mensagens eram republicadas milhares de vezes, de maneira organizada (poucos segundos após a difusão do boato original).
3. A revista IstoÉ revelou que funcionários da prefeitura de Guarulhos, controlada pelo PT, utilizam instalações e equipamentos oficiais para atacar a imagem do candidato Aécio Neves. Por determinação da Justiça, os provedores de internet foram obrigados a informar de que computadores saíam os ataques; e chegaram a vários funcionários de importância da Prefeitura petista. As mensagens não se limitavam à posição política de Aécio: seu ponto principal era o ataque pessoal, pesado. De acordo com IstoÉ, havia também repasses de verbas publicitárias da prefeitura de Guarulhos para publicações virtuais de militantes petistas (em duas das publicações há anúncios da prefeitura, ao lado dos ataques ao senador tucano; em ambos os casos, os editores dizem que não há relação entre a publicidade e os ataques, que ocorreriam por sua convicção pessoal).
4. O blog Dilma Bolada, dilmista desde criancinha, descobriu (e gravou as mensagens) que a equipe do candidato socialista à Presidência, Eduardo Campos, estava comprando imensas listas de seguidores para suas páginas no Facebook. Sim, isso existe e o negócio é próspero. O que não existe são os seguidores, em geral perfis criados artificialmente apenas para esse tipo de venda. Mas dá a impressão, para quem não entende do assunto, de que há muita gente favorável ao candidato, e muito entusiasmada. O problema é que daqui a poucos meses é preciso mostrar documentos para votar; e o que é só virtual se desmancha no ar.
São quatro exemplos, apenas, entre dezenas. Mas servem para mostrar como é que a comunicação anda funcionando no país: apresentando fumaça, para aparentar que há algo fumegante. Na hora em que se faz a clássica pergunta de Alex Periscinotto, um dos grandes nomes da publicidade brasileira – “Where is the beef?” (em tradução livre, cadê a carne?) – a espuma se desmancha na areia.
A vida real
O problema é que a bobajada não se limita às redes sociais. Boa parte da mitologia já se transportou para os grandes meios de comunicação. A cobertura das eleições, por exemplo, está solidamente ancorada nas pesquisas. Pesquisa é ótimo, mas não é eleição; funciona, na maior parte das vezes, mais como elemento de dar ou tirar ânimo dos adeptos de cada candidatura (e, nesse aspecto, se aproxima muito da batida de tambor das redes sociais). A pesquisa exige análise cuidadosa; os veículos escolhem gente capacitada para analisá-las, mas não lhes dão tempo suficiente. Uma boa análise leva alguns dias de trabalho, mas aí a notícia já mudou e ninguém mais está interessado em continuar na matéria velha.
Falta mostrar, na grande imprensa, certos fatos importantes. O comportamento de determinados políticos é um excelente indicativo da tendência das eleições: são especialistas em manter-se no poder, já demonstraram sua capacidade ao longo dos anos, e quando aderem a um candidato, ou rompem com outro, as ideias e a ética não têm qualquer papel em sua decisão, que é puramente pragmática. Veja José Sarney, que flertou com a esquerda (o filme de sua posse no governo do Maranhão é de Glauber Rocha, que lhe tinha a maior consideração), passou para o apoio aberto à ditadura militar, rompeu com os militares para apoiar Tancredo. Quanto tempo de sua vida política Sarney viveu na oposição?
Políticos como ele não raciocinam com o fígado, nem com o coração. Trabalham friamente, com o cérebro; e com o nariz privilegiado, que lhes indica a direção para onde sopra o vento do poder.
Outro fato pouco observado nas coberturas jornalísticas é a estrutura do eleitorado. Eduardo Campos não está indo bem nas pesquisas, mas seu trabalho em Pernambuco, especialmente, e no Nordeste em geral, tende a erodir o apoio que o PT obteve na região e que foi fundamental para as três vitórias sucessivas em eleições presidenciais. O PSDB foi bem no Nordeste (e Fernando Henrique, também com votos nordestinos, bateu Lula duas vezes no primeiro turno) quando Antônio Carlos Magalhães, com seu vasto eleitorado, ficou a seu lado; a morte de ACM, sem um líder que o substituísse, abriu campo para que Lula dominasse as urnas. Eduardo Campos não é ACM nem teve tempo para sê-lo, mas seu trabalho reduz a força do eleitorado petista. Aécio faz trabalho semelhante em Minas; e, se o PSDB mantiver sua posição dominante em São Paulo, criam-se condições para um confronto presidencial mais equilibrado.
Lula domina bem esse jogo; é um político bem equipado, capaz de buscar os pontos exatos onde bater no adversário e obter os melhores resultados. Eduardo Campos também é do ramo; e Aécio vem demonstrando muito mais habilidade, na costura eleitoral, do que José Serra (ou, na campanha presidencial anterior, Geraldo Alckmin). Campos parece ter superestimado a adesão de Marina Silva, sem perceber que ela se tornaria um obstáculo à sua manobra política (o que também passou despercebido pelos meios de comunicação, que apenas fizeram as contas, somaram os votos de um aos votos de outro, e acharam que era isso que aconteceria). O erro de Campos pode ter-lhe custado as chances em 2014. Mas a habilidade existe, ele ainda não completou 50 anos e terá outras oportunidades. Um ilustre pernambucano, adversário local de Campos, já chamou a atenção deste colunista para as qualidades do candidato: “ele está acima da média, é diferenciado”. Falta a imprensa buscar matérias diferentes, fora da troca de insultos e da análise das pesquisas. Pode render excelentes reportagens, esplêndidas análises.
Um homem comum
Um genial escritor italiano, Dino Segre, mais conhecido como Pitigrilli, descobriu que todas as pessoas têm seus cinco minutos diários de imbecilidade. “A diferença entre as pessoas brilhantes e os demais é que, em seus minutos de imbecilidade, os brilhantes ficam quietos”.
Mas quem consegue manter quieto o borbulhante Vicente Paulo da Silva, deputado federal pelo PT paulista, mais conhecido como Vicentinho? Vicentinho sempre foi reconhecido por sua capacidade como líder sindical (liderou a primeira greve geral do país depois do início da ditadura, em solidariedade aos petroleiros, em 1983), como pessoa esforçada (já adulto, decidiu completar sua formação escolar e se bacharelou em Direito), como deputado federal em segundo mandato, como suplente do senador Eduardo Suplicy. Achou pouco: resolveu se tornar conhecido por um dos projetos mais inacreditáveis já apresentados em nosso Congresso – onde, a propósito, a concorrência é enorme. Vicentinho quer proibir a importação de livros e demais publicações estrangeiras por órgãos públicos, como forma de abrir espaço à produção gráfica nacional. Claro que a medida prejudicará universidades e institutos de pesquisa para os quais a produção acadêmica internacional é necessária, mas ele não parece preocupado com isso. A imprensa demorou para descobrir o projeto, apresentado em 25 de março; demorou mais ainda para descobrir outro risco, o de o projeto ser aprovado sem passar por votação, já que as comissões de Serviço Público, Trabalho e Constituição e Justiça o examinam em caráter terminativo. Se o aprovarem, segue direto para o Senado.
Exemplo externo
Na Suécia, o ensino de Medicina é feito em inglês. Sairia caríssimo traduzir os livros para o sueco e imprimir uma quantidade pequena de exemplares. É mais barato e eficiente usar o material original e capacitar os estudantes a usar com eficiência um idioma estrangeiro. Tem boa medicina, a Suécia; tem bons médicos, boa pesquisa. E não tem um Vicentinho querendo vedar o acesso aos livros.
Viola, ciência, agronegócio
O lançamento é interessantíssimo: Décio Zylbersztajn, pós-doutorado em Agronomia, professor da USP (e professor-visitante em Califórnia, Wageningen, na Holanda, Perugia e Benevento, na Itália), violeiro emérito, autografa Como são cativantes os jardins de Berlim no dia 10/6, às 19h, na Casa das Rosas, avenida Paulista, SP. São onze contos, um deles premiado no Concurso Antares de Literatura, de 2013; e tratam de tudo, da vida em Berlim após a chegada dos antigos moradores do Leste comunista europeu ao universo rural. Uma curiosidade: Décio Zylbersztajn é apaixonado pela viola caipira e, com sua esposa Rosemarie, criou o Duo Vereda Violeira.
Tem sua graça
1. Do release de uma empresa internacional de lanchonetes:
“Muito mais do que oferecer estrutura exemplar, o (…) pretende surpreender pelo sabor e irreverência dos novos sanduíches (…)”
Este colunista não consegue imaginar o que seja um sanduíche irreverente.
2. A foto, num grande jornal impresso, mostra, da esquerda para a direita, Patrícia Pillar, Namie Wihby e Sophie Charlotte.
A legenda: “As atrizes Patrícia Pillar e Sophie Charlotte entre Namie Wihby”
O tempo passa, as coisas mudam. No tempo em que este colunista fazia legendas, Namie Wihby, a do meio, é que estaria entre Patrícia Pillar e Sophie Charlotte.
3. De um twitter de Rachel Sheherazade, com um erro de digitação que ficou bem engraçado:
“E a gastança com o dinheiro púbico continua!”
Deve ter algo a ver com a doleira que transportava euros na calcinha.
Como…
Da internet, que nunca nos falha, a informação de que Giovanna Antonelli usava, numa festa, um maxicolar.
No título: “Colar pesa 15 kg e parece ser um complemento da blusa”
No texto: “Com 1,5 kg (…), o colar custa R$ 1.450”.
Ainda bem: imagine o pescoço capaz de aguentar um colar de 15 quilos.
…é…
Este relato do desembarque aliado na Normandia, que rompeu a defesa nazista, é completo: nada ali descrito é bem assim.
“Em 6 de junho de 1944, 150 mil tropas aliadas chegariam à França (…) O renomado fotojornalista Robert Capa (…), sob fogo intenso, bateu vários rolos de filme. Do total de 106 poses, apenas 11 delas sobreviveram a um acidente de trabalho no laboratório fotográfico da revista Life, em Londres(…)O tenente James Doohan (…) tomou dois tiros: um na mão e um no peito (…) o projétil foi interrompido por uma cigarrilha de prata, impedindo a morte do militar”.
Tropas? Não: a tradução é “soldados”. Em português, tropa é coletivo. Acidente no laboratório da Life? Não, foi no laboratório de um dos navios do desembarque. Cigarrilha de prata? E como é que se fuma prata? Talvez fosse usar a tradução “cigarreira”, ou “estojo de cigarros”. Cigarrilha é um charuto menor, mais fininho, nunca é de prata e jamais conseguiria deter uma bala.
…mesmo?
De um grande jornal impresso, de circulação nacional, sobre a seca em São Paulo:
** “Situação ocorre a cada 3.378 anos (…) Segundo a USP (…) chance de cenário se repetir é de apenas 0,0033%”
Façamos as contas: uma chance em 300, 0,3%. Uma em 3.000, 0,03%. Uma em 30 mil, 0,003% – o número aproximado que saiu. A dúvida: uma seca como esta ocorre a cada período de 33.780 anos ou há um zero a mais em algum lugar?
Frases
>> Do jornalista Sandro Vaia: “O ministro a Justiça do Brasil tem sido tão útil quanto o ministro da Marinha da Bolívia.”
>> Do jornalista Palmério Dória: “Eduardo Campos busca apoio da classe artística e de Marina Silva.”
>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Serve como metáfora: das linhas do Metrô, só a privada está funcionando.”
E eu com isso?
E chega de problemas. Vamos ao mundo maravilhoso que não se divide entre países desenvolvidos ou não: cá, como lá, só muda o nome da celebridade (ou, eventualmente, subcelebridade). A notícia é sempre a mesma.
** “Adriane Galisteu curte festa de aniversário com o filho”
** “Mulher de Bruce Willis mostra foto da filha caçula”
** “Eliana leva o filho ao teatro”
** “Ike Casillas e Sara Carbonero batizam o filho”
** “Ana Hickman mostra o filho sorrindo”
** “De vestido longo, Mariah Carey leva filhos ao parque”
** “Nasce a filha de Fernando, da dupla com Sorocaba”
** “Charlize Theron leva filho para passear”
** “Thiago Rodrigues dá parabéns para o filho”
** “Jair Oliveira mostra a filha cantando”
** “Irmão de Jennifer Aniston vai ser papai”
** “Lily Allen confessa: eu viraria gay pela Beyoncé”
** “David Beckham ficou com medo de sapo no Brasil”
** “Lady Gaga publica foto sem maquiagem”
** “Anitta tira foto sem maquiagem”
** “Alicia Keys abusa do decote em jantar beneficente”
** “Eliana abusa do pretinho básico em seu look”
** “Hugh Jackman anda de patinete em Nova York”
O grande título
Futebol, trânsito, política, os mais diversos assuntos. E muito esforço intelectual para saber o que foi dito.
** “Itaquerão tem bloqueio de 10 mil pessoas no entorno, mas com falhas”
Alguém deve entender, sem dúvida. Como alguém deve entender o próximo título:
** “Longe de casa, Cássia Eller de musical quase desistiu da peça”
Difícil? Tente este aqui:
“Sem aliado do PT, Aécio pode ter Aloysio na vice”
Esse pessoal malvado do PT se recusa a aliar-se ao adversário!
E, agora, o melhor de todos:
“Motorista capota sozinho Camaro na Barra da Tijuca, no Rio”
Que falta de solidariedade! Ninguém o ajudou!
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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados