Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um diamante drummondiano

Itabira ganhou em maio um maço de edições centenárias do jornal Correio de Itabira, presente de minha tia Dalva Caldeira, de Santa Maria de Itabira. Se parássemos aí, já seria uma notícia localmente ótima, mas a boa-nova é universal, capaz de emocionar amantes da alta literatura. Entre os exemplares, está o 307, de 1° de novembro de 1902, que há 112 anos publicava a primeira notícia sobre o tão noticiado Carlos Drummond de Andrade. Uma joia que atravessou incólume o século XX, venceu a primeira década do XXI e agora, graças à generosidade de minha tia Dalva, digo, de minha linda e querida tia Dalva, pertence a Itabira por meio d’O TREM Itabirano.

O nascimento de Drummond, numa casa já demolida da rua das Flores, hoje Guarda-Mor Custódio, foi noticiado na capa do Correio de Itabira, com notas sobre aniversários e um batizado, sob a palavra parabéns em caixa-alta. Nessa notícia sobre a vinda do poeta à luz, o jornal, um semanário do governo municipal, agiu com se fosse diário: publicou em 1° de novembro um nascimento do dia anterior, 31 de outubro.

Observado o mandamento da pirâmide invertida, regra jornalística segundo a qual o fato mais importante deve ser citado primeiro, o bebê Drummond não foi a principal notícia entre os dois natalícios em Itabira publicados pelo Correio de Itabira 307.

O jornal priorizou outro: “O dia de ontem foi de alegrias para o lar de nosso prezado conterrâneo senhor José Alves de Castilho, por ter a excelentíssima senhora dona Maria Evangelina Sampaio de Castilho, sua esposa, dado à luz com felicidade a um menino”.

Só a seguir é que a gazeta informou: “Igual motivo de alegria teve o nosso amigo senhor Carlos de Paula Andrade pelo feliz sucesso de sua excelentíssima senhora dona Julieta Drummond de Andrade”.

Portanto, o neném Drudru, ou Carlinhos, futuro imenso poeta, pegou carona na nota de nascimento do filho de José de Castilho.

Na sequência, o jornal completou: “Desejamos que os dois recém-nascidos sejam sempre causa de alegrias e orgulho para suas respectivas famílias”. Ah, se o redator soubesse…

Para o mundo

A folha que inaugurou Drummond nos meios de comunicação trouxe também notícias políticas de interesse do Partido Republicano Mineiro, editais públicos, preços de rapadura, feijão, milho, toucinho e carne seca e anúncios de livros, manteiga, calçados, café e de compra de algodão. A publicidade de livros informou que os pedidos deveriam ser feitos a Brás Martins da Costa, fotógrafo que poucos anos depois de 1902 retrataria a criança Drummond ao lado de um triciclo.

O emocionante Correio 307 também ofereceu serviços de tipografia, parto, advocacia, selaria e farmácia, incluindo a Pharmacia Andrade, do avô paterno do poeta, Elias de Paula Andrade. “Promptidão, exactidão, asseio e modicidade em preços”, fazia seu comercial o vovô farmacêutico.

Nessa mesma edição, brilha pela conotação filantrópica um anúncio do médico itabirano Joaquim Pedro Rosa, pai do comerciante Joaquim de Campos Rosa, o sô Rosinha: “Médico e operador. Atende prontamente aos chamados para fora e dá consultas a qualquer hora. Grátis aos pobres”. Lindo.

Voltando à capa, logo depois da notícia do nascimento de Drummond o órgão itabirano publicou um poema intitulado Teu Retrato, assinado por J. Cerre. Retrato, retrato… Em breve, viria outro, aquele que ficou famoso, o pendurado na parede, o que dói.

Estou sem coragem de afirmar que o exemplar do Correio 307 doado por minha tia é o único que sobrou, pois sempre haverá um sótão atulhado para nos compensar com raridades a poeira que sopra em nosso rosto, mas estou perto da certeza de que não há outro. Somo à minha desconfiança a informação de que o museu itabirano e os poucos apreciadores locais de jornais velhos não têm esse diamante. O próprio Drummond não o tinha – aliás, ele só soube em 1982 de que fora noticiado um dia após nascer.

Esse exemplar do Correio que ganhei de presente é a fonte que rendeu um furo jornalístico à escritora Joana d’Arc Torres de Assis, publicado na edição 26 de O Cometa, em março de 1982. Foi ao ler os jornais de minha tia Dalva, em Santa Maria de Itabira, que Joana d’Arc descobriu a notícia do nascimento do poeta. Publicou-a em uma notinha, sob o título “Registro raro”, e se comunicou com Drummond. Dizendo-se feliz com o achado, ele respondeu que não sabia ter tão cedo começado a ocupar as páginas de um jornal.

O Correio 307 é meu, mas não quero essa preciosidade só para mim. Quero-a para Itabira, para Minas, para o Brasil, para o mundo. Será ensanduichada em bom vidro e ficará numa parede da redação d’O TREM, para fruição dos amantes da arte.

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Marcos Caldeira Mendonça é jornalista, editor d’O TREM Itabirano