O memorialista mineiro Pedro Nava disse: “A experiência é um farol, só que voltado para trás”. Essa frase assume o rigor de tornar nosso discurso mais humilde, sem torná-lo receita de verdades. Quero comentar sobre o Google. É uma tremenda ferramenta e com ela dispomos de informações que, improvavelmente, conseguiríamos com celeridade. O Google permite que alcancemos rapidamente as rodoviárias das viagens culturais. Se as estradas forem bonitas e prazerosas, não o ficaremos sabendo. As pesquisas em livros nos trazem o gosto de fruir de informações quase ao acaso, como bônus da intertextualidade. Em semiótica, ciência que estuda os signos e seus entendimentos, nomeamos de interpretante a bagagem cultural com que nos aproximamos de algo que queremos desvendar.
Essa aproximação – de uma obra de arte, por exemplo – se dá de três níveis, segundo Charles Peirce: em primeiridade; em secundidade; em terceiridade.
Primeiridade é quando apreciamos um quadro e avaliamos: “Para mim, esse quadro significa a sensação de medo”.
Secundidade é a maneira com que nos isentamos de opinar e informamos dados objetivos sobre o objeto da análise. Exemplo: tal quadro foi pintado por Goya em 1762 e retrata tal figura histórica. É, portanto, a abordagem de dados em suas formas mais objetivas possíveis.
Já na terceiridade, a abordagem e o enfoque do objeto analisado são feitos com toda a bagagem cultural que possuímos e fazemos a leitura daquele de forma a relacioná-lo com esses conhecimentos prévios para desvendá-la. Isso é o tal interpretante. Exemplo: na canção “Leãozinho”, Caetano Veloso descreve uma cena de praia ao sol em que canta loas a alguém (o leãozinho). Em certo momento, diz a canção: “Sua pele ao léu”. Caetano, claramente, faz um trocadilho. Vejamos outro verso: “Ficar perto de você e entrar numa”. Aqui, o compositor se vale de um interpretante dos Quadrinhos de Aventura. Nas histórias de Tarzan, desenhadas por Jesse Marsh, Numa é o nome que Tarzan dá ao leão.
Leitura remota
Há um prazer estético nessas descobertas, pois sentimo-nos desvendando a vontade de transmitir do artista. Muitas vezes, a obra vem recheada de metáforas que, percebidas, enchem tal fruição de prazer.
Por questões políticas, o cantor e compositor Chico Buarque e o cartunista Henfil (Henrique Filho) empregavam metáforas na transmissão de suas mensagens, numa época em que a sagacidade importava no conteúdo e “sentido” do discurso. Entretanto, ao analisarmos uma obra de arte, podemos ter certeza de que ela está longe de encerrar seu ciclo com a transmissão dessas mensagens.
Recorrendo à charge e ao cartum como categorias de análise, uma canção de Chico ou tira de Henfil tem um sentido imediato; age, pois, como charge. Tem, entretanto, uma leitura mais remota, universal e menos datada; age, pois, como cartum. E tem, como uma cornucópia, sentidos que irão além do meramente procurado pelo autor. Transcende este e, para cada observador envolvido, irão além da intenção artista, atingindo a altura que alcança o leitor nas suas vivências e livros.
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Alexandre Albuquerque Santos é cartunista