A imprensa começa a fazer a contabilidade da Copa do Mundo e se rende a uma evidência: este já é um dos mais espetaculares torneios organizados pela Fifa – nos onze primeiros jogos, 37 gols, nenhum problema grave com a organização ou a infraestrutura, e uma alegre confraternização entre torcidas estrangeiras e seus anfitriões brasileiros em todas as cidades que sediam os jogos. Com exceção da partida de domingo (15/6) no Maracanã, onde ocorreram alguns desentendimentos entre brasileiros e argentinos, tudo é uma grande festa.
A rigor, o grande vexame foi protagonizado pelos ocupantes da área VIP na arena do Corinthians, durante a partida inaugural entre o Brasil e a Croácia, quando se ergueu o coro de ofensas contra a presidente da República e a entidade que organiza o campeonato mundial de seleções.
Enquanto um ou outro personagem do mundo político tentava tirar algum proveito da manifestação de grosseria, a maioria dos comentaristas que abordaram o assunto na imprensa registrou o fato exatamente como aquilo que é: a expressão da má educação daqueles que se supõe estarem entre os mais qualificados dos cidadãos.
Fora daquele gueto de privilegiados, o clima tem sido apenas de celebração, embora saibamos todos que o resultado nos campos de futebol pode afetar muitos outros aspectos da vida nacional, como a política, a economia e até mesmo a disposição para o diálogo em questões controversas. Não é por outra razão que alguns analistas creditam a grande participação dos cidadãos colombianos na eleição presidencial de domingo (15), que deu a reeleição ao presidente Juan Manuel Santos, à vitória da seleção daquele país contra o time da Grécia.
Os poucos inconformados que ainda protestam contra a realização da Copa não conseguem mais do que algumas escaramuças com a polícia, com o habitual ataque a vitrinas de lojas e bancos. No mais, o que se vê nas ruas é o festival colorido da diversidade, e algumas consultas feitas pela mídia revelam a aprovação geral ao evento.
E o que aconteceu com a revolta popular que, segundo a imprensa, iria transformar as ruas do Brasil em campos de batalha durante a Copa? A revista do Globo, que acompanha o jornal carioca aos domingos, traz na capa uma reportagem sobre os problemas que irritam o morador do Rio de Janeiro, e registra as oscilações no estado de espírito da população, balançando entre a euforia do futebol e a pouca paciência com os desafios da vida urbana.
O mau humor na mídia
O mau humor parece ter se deslocado das ruas para a mídia, encarnando nos pitbulls escalados para o front político-partidário. Curiosamente, o melhor do espírito de porco faz aparições num programa da SporTV, emissora do grupo Globo, onde jornalistas, atores e um comediante se revezam em comentários sobre a Copa. Anunciado como um espaço para a irreverência, à maneira das conversas de botequim, o programa revelou-se um campo de manifestações rasteiras sobre quase tudo, inclusive política, a repetir o mantra partidário da imprensa hegemônica.
Registre-se ainda a repercussão que se dá à declaração feita em fevereiro pelo jornalista Jorge Kajuru Nasser, na emissora EsporteInterativo, quando afirmou que a Copa do Mundo foi comprada pelo governo brasileiro. Kajuru, que já anunciou que pretende deixar suas atividades profissionais em julho para se dedicar à campanha para deputado federal pelo PRP de Goiás, tem sua manifestação repetida nas redes sociais e por blogueiros de todo o país. Comentaristas que até a semana passada diziam que não haveria Copa agora alardeiam que a Fifa foi comprada para dar o hexacampeonato ao Brasil.
Não é de se esperar que o espírito de porco seja contido rapidamente pela evidência dos fatos. Mas é razoável supor que a imprensa, instituição fortemente hegemônica no Brasil, seja capaz de fugir das armadilhas que as preferências políticas estendem no campo do esporte. Assim, antes de se completar a primeira semana da disputa, pode-se notar que o noticiário se rende aos aspectos mais positivos dos acontecimentos.
Progressivamente, desde que foi dado o pontapé inicial da Copa do Mundo, no estádio de Itaquera, em São Paulo, consolida-se nos jornais a convicção de que os brasileiros não apenas são capazes de organizar a maior de todas as competições de seleções nacionais de futebol, como oferecem uma grande oportunidade de confraternização aos visitantes.
Assim, sai da caixinha de surpresas do futebol aquilo que é de conhecimento geral, mas os jornais insistiam em ignorar: que o brasileiro, como ninguém, sabe fazer festa.