Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A próxima grande inovação da internet

Atualmente existem mais aparelhos conectados à internet do que seres humanos na Terra. Num futuro próximo, quase tudo estará conectado à rede. A próxima grande (re)evolução da internet está sendo chamada de “internet das coisas” (internet of things) ou “internet de tudo” (internet of everything).

A internet das coisas permitirá a conexão e a transferência de dados de aparelhos eletrônicos entre si, permitindo feitos jamais imaginados. Na internet das coisas, árvores se comunicarão com computadores, que se comunicarão com cientistas sobre mudanças climáticas. Carros se comunicarão com sensores, que se comunicarão com semáforos, que otimizarão a eficiência do tráfego nas cidades. Ambulâncias se comunicarão com os dados sobre o estado de saúde do paciente, que serão transmitidos aos médicos que aguardam a chegada da ambulância na porta da emergência dos hospitais.

O despertador do seu smartphone se comunicará com a televisão do seu quarto, que ligará no seu canal de notícias favorito, que abrirá as persianas gradativamente, que se comunicará com a cafeteira e a torradeira, garantindo que o seu café da manhã esteja pronto no tempo certo. Seu carro se comunicará com o escritório, que acenderá as luzes, ligará seu computador e avisará seu assistente sobre o seu tempo de chegada. No retorno para casa, seu carro comunicará à casa para que acenda as luzes, climatize a temperatura do ambiente, abra o portão da garagem e ligue a banheira na temperatura programada por você.

Esses são apenas alguns exemplos do potencial da internet das coisas e que sem dúvida permitirá a realização de grandes feitos em benefício da humanidade.

Vale lembrar que, não só a internet (a de hoje e a do futuro), mas também todos os avanços da humanidade estão diretamente relacionados a um dos bens mais valiosos do homem: a informação. Sem o amplo acesso à informação, a internet não seria o que é hoje e certamente a internet das coisas não passaria de mais um sonho. E como em toda (re)evolução, principalmente nas que envolvem a potencialização da informação, outros direitos podem ser afetados e, muitas vezes, redesenhados de acordo com os novos tempos. Exemplo claro disso é o que ocorre com o direito à privacidade.

O direito à informação e o direito à privacidade

Existe hoje uma grande preocupação em torno da preservação da privacidade e de que forma as novas tecnologias e os novos costumes têm mitigado esse direito das pessoas. A preocupação é tamanha que alguns grupos de estudiosos e protetores de direitos humanos têm questionado essas novas ferramentas, sob acusações de violação à privacidade dos usuários, como se as pessoas tivessem perdido a autonomia de fazer suas próprias escolhas e arcar com as consequências delas advindas.

A privacidade tem sido tratada como a nova e importante discussão jurídica desde a popularização da internet e do aprimoramento das ferramentas de socialização, mas a verdade é que essa questão não pode ser pensada com os mesmos contornos de 100, 50 ou até mesmo 20 anos atrás.

A fato é que o conceito de privacidade evolui na mesma proporção e velocidade com que a tecnologia e os novos costumes vão sendo criados pelos homens e adotados por seus pares.

Esse fenômeno de redefinição da privacidade não nasceu com a internet.

Na realidade, há séculos o próprio homem vem redefinindo o conceito e os contornos de sua privacidade com o advento de suas descobertas. Vejamos o exemplo da mídia jornalística. O mais antigo jornal de que se tem notícia (Acta Diurna) surgiu por volta de 50/70 anos a.C., pelo desejo de Júlio Cesar informar o povo romano sobre fatos sociais e políticos ocorridos no império. Ou seja, desde então a informação vem sendo utilizada para redefinir o conceito de privacidade em prol de um bem maior, o interesse coletivo. Com o advento da mídia impressa, do rádio e da televisão, o conceito de privacidade também evoluiu, pois, mais e mais, a notícia atinge um número maior de pessoas e leva a informação sobre suas próprias vidas e sobre a vidas de pessoas terceiras ao conhecimento de toda a sociedade.

Num mundo globalizado e conectado, a tendência de modificação do conceito de privacidade é ainda maior.

Prova de que a privacidade vai se readequado e remodelando com o passar do tempo e com o advento das novas tecnologias é a seguinte: pergunte a um adolescente de 16 anos se ele acha que está expondo excessivamente a sua privacidade ao postar uma foto numa rede social; um selfie. Provavelmente ele dirá que não; que isso é normal; que seus amigos também fazem isso. Agora faça a mesma pergunta para uma pessoa de 70 anos. A resposta provavelmente será diferente.

Esse simples teste comprovará tudo aquilo que defendemos aqui, de que o conceito de privacidade, de fato, se altera com o tempo, com as novas tecnologias e com os novos costumes adotados pela sociedade.

Aliás, sobre o tema, são oportunas as alterações e inovações jurídicas trazidas pelo Marco Civil da Internet no Brasil (Lei Federal nº 12.965/2014), na medida em que atribui corretamente ao prudente arbítrio do juiz a análise acerca da necessidade ou não de remoção da internet de um determinado conteúdo tido como ofensivo. Ou seja, caberá ao juiz decidir qual direito deverá prevalecer no caso concreto em que estarão em conflito o direito à informação e o direito à privacidade no ambiente virtual.

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Guilherme Kaschny Bastian é especialista em direito digital e sócio da área de direito eletrônico e novas tecnologias do escritório WFaria Advogados. Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações