“Estou pouco me lixando.” Talvez este tenha sido o ponto alto da entrevista do Jornalista (sim, com “J” maiúsculo) Juca Kfouri ao programa Roda Viva, da TV Cultura, sobre a preparação do Brasil para o Mundial. Não, Juca não se referia à Copa do Lula, ops, do Mundo. Até porque já disse em várias oportunidades, e voltou a fazer na noite de segunda-feira (9/06), que vai torcer pelo time canarinho. Ele não confunde as coisas, ou ainda não atingiu o grau de antipatia ao projeto do hexa, com Neymar, Felipão, Galvão… Mas isso é outra conversa. Juca se referia ao sistema “oito ou oitenta”, estabelecido aos críticos políticos-esportivos para analisar a competição e sua “organização”. Afinal, no Brasil, ou o jornalista é petista ou tucano. Por isso, Juca está se lixando.
Basta acompanhar a repercussão a cada debate, texto publicado ou análise sobre, em qualquer que seja a mídia, para se ter noção de que, no Brasil de dilmas, alckmins e aécios, a patrulha está ativa, direcionando os jornalistas e os taxando em caminhos partidários. É claro que há (e muitos) casos de comentários viciados.
Voltando a Kfouri, a entrevista, conduzida por Augusto Nunes, pontuou entre os conhecidos problemas da Copa, a forma como a imprensa vem trabalhando o evento, com início na quinta-feira (12/6). Por parte dos brasileiros, um confronto entre a ala do “oba-oba” e críticos (alvos da patrulha). Essa é a discussão necessária. O “racha” está (ou deveria estar) em posicionamentos quanto aos vários pecados da Copa 2014. Até porque se há uma verdade nos últimos sete anos é de que atrasos, desorganização, elevação de gastos… são pecados de todos. Do governo Lula/Dilma ao COL (Comitê Organizador Local), passando pelos estados. Afinal, Alkmin (e antes, Serra) sabia que o Itaquerão era uma piada pronta. Assim como Aécio com o Mineirão em Minas, Eduardo Campos em Pernambuco…
E a Fifa? A dona da brincadeira “vendeu” (ou fica melhor sem aspas?) a Copa ao Brasil, que aceitou suas condições. Não podemos e nem devemos mostrar surpresa com as medidas adotadas pela federação internacional, que sempre se pontuou em negócios obscuros, desde a administração de João Havelange, que pegou a Fifa com um caixa irrisório e a transformou em uma máquina de fazer dinheiro. Com Blatter não é diferente.
Quem se lixou com o cofre público
Um dos entrevistadores de Juca, Mauro Cesar Pereira, jornalista da ESPN, elevou a discussão com dados sobre as últimas escolhas da entidade para receber seus eventos. Ele lembrou que além do Brasil, a África do Sul, sua antecessora, assim como a Rússia e o Catar (próximas sedes em 2018 e 2022, respectivamente) são retardatários no ranking mundial da corrupção. Assim fica mais fácil. “Se houve alguém que sabe muito bem como isso tudo funciona, é o presidente Lula. Ele fechou o olho para isso, em nome desta coisa do Brasil Grande”, sentenciou Kfouri, em resposta a Pereira.
Mas além dos brasileiros, jornalistas estrangeiros (desavisados e desinteressados) ainda tentam entender o que acontece com o “país do futebol”. Questionam como o povo, que tem sua marca ligada à alegria, à festa e ao otimismo, pode ir às ruas protestar contra a Copa em sua casa? Isso mostra como as manifestações de junho de 2013 e seus rastros na sociedade brasileira continuam a não ser entendidas, não só aqui, como lá. A mídia segue debatendo os protestos, mostrando agressões, greves, mas ainda não entendeu que o principal ponto de discórdia no país está muito além da Copa, além de Dilma, de Aécio, além do PT e do PSDB. A população (nem todos, infelizmente) debate uma mudança no sistema e isso engloba todos os personagens citados, mas puxa vários outros aspectos.
Juca Kfouri não está longe desta nova visão. Na verdade, no caso dele, não tão nova assim. O Jornalista sempre debateu o Brasil antes e muito antes da Copa, com um olhar que vai além de um evento esportivo, ou partidos sanguessugas. “Quando você critica a Copa, você está jogando água no ninho dos tucanos. Quando você elogia a Copa, está jogando água no moinho dos PT. Eu estou pouco me lixando para o PT e para os tucanos. Vou continuar dizendo o que vejo, do jeito que vejo”, frisou Kfouri, que não poupou nem mesmo seu time do coração, ao falar da Arena Corinthians, ou Itaquerão, ou ainda Arena São Paulo, como determinou a Fifa.
Por isso Juca está se lixando. Assim como boa parte dos torcedores brasileiros. Não se lixando para a Copa, mas para quem se lixou com o cofre público nos últimos sete anos.
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Francisco Assis é jornalista, Lorena, SP