Eu estava terminando uma reportagem quando recebi um e-mail de uma agência de notícias estrangeira perguntando se algum ônibus havia sido incendiado durante a greve dos motoristas naquele dia. Eles tinham visto cenas do último protesto no Rio e procuravam algo semelhante ao dessa “violenta raiva brasileira”. Não mencionaram a situação daqueles trabalhadores de classe média, cuja remuneração é insuficiente para suprir suas necessidades básicas, e enfatizavam os incêndios porque, é claro, “é isso que dá TV”.
Embora, do meu quarto de hotel em Copacabana, não fosse possível ver nada pegando fogo, procurei algumas fontes locais para ver se havia algo com rodas sendo incendiado em algum lugar e descobri que naquela noite os manifestantes do Rio estavam sossegados.
Quando respondi à agência (chamemo-la “americana”) que não havia nada de relevante em chamas, mas que eu provavelmente poderia enviar um relato sobre o cotidiano de um daqueles motoristas em greve, os e-mails pararam. Se não há carnificina, não há matéria.
Como alguém que só é remunerado se consegue vender suas reportagens, pensei em escrever novamente a eles usando chavões como “violência na favela” ou “polícia atirou/matou…” ou, simplesmente, “FAVELA!!!”, mas pensei que faria melhor em terminar o trabalho para o qual eu estava sendo pago.
Outro lado
Nas conversas com jornalistas Brasil afora nessas últimas semanas de cobertura sobre a Copa do Mundo, havia um único consenso: o de que os editores se interessavam exclusivamente pela categoria “Brasileiros Violentos e Indignados que Vão Bagunçar a Copa”, ou o que pode ser descrito como “pornô-pobreza”. Cinegrafistas estabelecidos no Rio dizem a mesma coisa: todos querem cenas de pessoas pobres em favelas e/ou jovens indignados e mascarados. Eles vêm filmando exatamente a mesma história o tempo todo, em diferentes línguas.
Todos os jornalistas demonstraram desagrado e desânimo ao falar sobre essa situação. Há por aqui histórias densas que mereceriam ser contadas, mas isso não vende.
Não sou imune a essa fórmula. Entrevistei vários manifestantes, grevistas e pessoas comuns, simplesmente preocupadas com os rumos do governo brasileiro. Como estou aqui para cobrir temas relacionados à Copa, forcei-os a associar seus depoimentos ao contexto da Copa, ainda que todos quisessem falar, de fato, de suas preocupações com o leite das crianças.
Um jornalista disse que isso ocorre porque o noticiário televisivo compete com a realidade da televisão. Se a maioria do público precisa escolher entre uma reportagem aprofundada sobre uma família de um país estrangeiro tentando pagar suas contas e uma família pseudofamosa em férias luxuriantes, em princípio a escolha recairá sobre a segunda hipótese.
Não é o que me atrai e não parece ser o que atraia os jornalistas com quem conversei. Porém, nós somos a audiência? Aparentemente, não. Agências de notícias e redes de TV parecem se preocupar apenas com o que homens entre 25 e 49 anos vão olhar por breves minutos em seu iPhone e acreditam que a única forma de atrair a atenção deles é mostrar algo pegando fogo ou, mais importante, algo que “poderia” pegar fogo.
A mídia adestrou o olhar do público ou é isso o que o público quer realmente ver? Se as agências de notícias decidissem parar de aterrorizar-nos e procurassem uma abordagem mais equilibrada no relato dos fatos, as donas de casa de Iowa ficariam revoltadas?
A verdade é que, se de fato há coisas realmente terríveis acontecendo em algumas das centenas de favelas do Rio, se houve muitos protestos e existe a possibilidade de ocorrerem mais manifestações, há muitas, muitas histórias que poderiam e deveriam ser contadas. Por exemplo, a favela Asa Branca é o lugar mais feliz em que estive no Rio, apesar de suas três décadas de notável progresso arquitetônico estarem sendo ameaçadas pela especulação imobiliária. As pessoas recentemente despejadas da “favela da Telerj” com quem falei dispensaram a oferta do Bolsa Família porque não queriam caridade, queriam uma casa para morar. E, na favela da Maré, onde ocorreu a mais recente ocupação policial, há organizações comunitárias e estimulantes debates sobre segurança pública.
Cinco segundos
Será que o público ao redor do mundo se interessaria por essas histórias? Educar não é parte do nosso trabalho? Quando você olha para uma foto que ilustra uma matéria, o que você vê? As palavras “favela” e “pobreza” vêm à mente? Ou você vê história e cultura e o que só pode ser entendido como uma notável solução arquitetônica?
Medo e sensacionalismo são fáceis de produzir. Histórias densas tomam tempo. Tempo para fazer. Tempo para observar. Agências de notícias querem quinze segundos de um ônibus em chamas, dez segundos de alguém berrando indignado diante de uma câmera, e cinco segundos para botar medo nos turistas que vêm para a Copa.
Todos nós – jornalistas, editores e os que têm os controles nas mãos –, em nome dos marginalizados e de nós mesmos, temos o dever de fazer muito melhor do que fazemos.
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Lawrence Charles, para RioOnWatch.org