O projeto era grandioso e incrivelmente ambicioso. A iniciativa pautou a mídia nacional e internacional nos últimos anos gerando uma expectativa ansiosa no público e na ciência. Um paraplégico daria o pontapé no primeiro jogo da Copa do Mundo no Brasil. Ele conseguiria chutar a Brazuca a partir do uso de uma estrutura chamada de exoesqueleto, um equipamento metálico que dá sustentação ao corpo reagindo aos comandos do cérebro. Assim, ele poderia andar e chutar, por exemplo.
Isso seria possível graças aos trabalhos do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis e os testes desenvolvidos no projeto Andar de Novo. O assunto havia sido destaque de página inteira no caderno DOM do domingo passado, 8/6.
O estudo começou em 2001 e teve sua primeira apresentação pública na última quinta-feira, 12, na abertura do Mundial em São Paulo. Mas poucos viram. Foram apenas 4 segundos na tela da TV dedicados para o resultado final do projeto que reuniu 150 pesquisadores de 25 países, trabalhando por vários meses.
“Um gol da ciência”
O clima de frustração pelo pouco tempo cedido ao feito na imprensa televisiva tomou conta das redes sociais, atribuindo a ação a pouca importância que é dada à ciência no Brasil, alegavam uns. Ou atrelando o fato a questões políticas, justificavam outros. Pelo Twitter, Miguel Nicolelis comemorou, em inglês: “We did it!!!” (“Conseguimos”, em português). Mas não comentou diretamente as críticas aos organizadores por causa do espaço ínfimo dado à sua pesquisa.
Em nota enviada à imprensa, celebrou: “Foi um grande trabalho de equipe e destaco, especialmente, os oito pacientes, que se dedicaram intensamente para este dia. Coube a Juliano usar o exoesqueleto, mas o chute foi de todos. Foi um grande gol dessas pessoas e da nossa ciência”.
(A propósito, o vídeo e mais informações sobre o projeto podem ser conferidos na fan page, no Facebook, do cientista Miguel Nicolelis, pelo link. Lá, há vídeos com os testes junto a voluntários da pesquisa e a emoção de alguns participantes ao andarem com a veste metálica)
33 milhões de reais
O feito não é pouca coisa e era há muito esperado pelos interessados em permitir que alguém, a partir dos impulsos dos cérebros, conseguisse movimentar os membros inferiores. Na abertura da Copa, na Arena Corinthians, o escolhido que quase não apareceu foi Juliano Pinto, de 29 anos, atleta do interior de São Paulo, paciente da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Ele teve uma lesão na medula após um acidente de carro em 2006.
A pesquisa cujo resultado quase ninguém viu consumiu R$ 33 milhões, vindos da Finep, empresa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O sistema fora desenvolvido na França, mas testado no Brasil. A operação Andar de Novo é liderada pelo Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN-ELS), em parceria da AACD, em São Paulo.
Espetacularização?
Apesar de imponente, o projeto é uma versão preliminar para uma revolução ainda não existente. Uma pessoa com lesão medular movimentou as pernas usando os comandos da mente e isso não poderia ter passado tão incólume como ocorreu na abertura do Mundial.
Não se trata de promover uma espetacularização de uma pesquisa cujos resultados ainda não são acessíveis a grande massa. Mas a mídia, ao ter a oportunidade de contribuir para popularizar a ciência no País, sob os olhos do resto do mundo, escolheu por mostrar outras cenas – como a chegada do ônibus da Seleção Brasileira ao estádio, por exemplo.
Talvez seja cedo para se falar em um grande avanço na ciência, em uma descoberta científica revolucionária. Os requisitos científicos são rigorosos e demandam publicações sérias e responsáveis em edições renomadas do meio. Talvez o progresso não possa ser medido em poucos segundos de uma apresentação na TV. Mas não estamos lidando com um projeto que surgiu há poucos dias. Era um fato já propalado pela imprensa e destacado nos dias anteriores à abertura. Era também uma prestação de contas pública com todos os estudos bancados pelo Governo Federal. Era uma resposta aos anseios de milhões de paraplégicos do mundo inteiro. Desperdiçamos.
Alô, alô, marciano, estamos em Copa.
O clima de frustração pelo pouco tempo cedido ao feito na imprensa televisiva tomou conta das redes sociais, atribuindo a ação a pouca importância que é dada à ciência.
A mídia , ao ter a oportunidade de contribuir para popularizar a ciência no País, sob os olhos do resto do mundo, escolheu por mostrar outras cenas.
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Daniela Nogueira é ombudsman do jornalO Povo