Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pílulas de cultura trans

Não vejo a hora em que o Flávio, temporariamente fora de combate, voltará ao convívio dos amigos, cada vez mais impacientes com a falta que ele faz. Não me refiro apenas às moças, de quem o moço, com seu borogodó, é indiscutivelmente o queridinho. Falo também dos marmanjos, entre os quais me incluo, todos, em variados graus, dependentes das atenções com que ele, sem muitas palavras, acabou nos viciando.

No meu caso, acabei dependendo do Flávio para me abastecer não só de conhecimentos úteis como também de bizarrias e esquisitices garimpadas no noticiário. Temos esse gosto em comum. A sintonia vem de longe – do tempo em que, mais de 30 anos atrás, penamos lado a lado naquela clínica de envelhecimento precoce que era a redação da Veja.

Sob o comando de implacável feitora (que, se bem me lembro, o chamava de Flavitcho), passávamos, repórteres condenados ao sedentarismo, horas a ler e recortar notícias em jornais e revistas estrangeiras. Foi ali, naquele trabalho de recortagem, que o Flávio começou a me municiar com divertidas barbaridades em letra de fôrma. Melhor fornecedor não poderia haver, pois, além de ótimo faro, ele dispõe do sólido saber de quem cursou física antes de cair do jornalismo – circunstância a mais, aliás, a reforçar minha certeza de que nós, jornalistas, deveríamos estudar alguma coisa.

Até recentemente o Flávio me aprovisionava de pérolas daquilo que, numa analogia com a gordura condenada pelos médicos e nutricionistas, podemos chamar de “cultura trans”, ou seja, a massa de conhecimentos sem serventia capaz de saturar nossos miolos, ocupando o espaço de conhecimentos úteis. Esse colesterol intelectual provém quase sempre de algum departamento de pesquisa de universidade americana. Foi nesses mananciais que meu amigo se inteirou, por exemplo, da utilização de ressonância magnética para registrar os orgasmos de um casal, para tanto acondicionado no claustrofóbico tubo do aparelho e proibido de mover as cabeças. Tal tipo de equipamento, observou o Flávio, tem sido usado nas mais diversificadas pesquisas, aí incluída a investigação do que se passa no cérebro de um salmão morto. Evito pensar nisso quando peço um sashimi.

Queixo proeminente

“A pesquisa mais recente que vi”, contou-me ele faz uns meses, “levou à conclusão de que mulheres em grupo parecem mais bonitas do que cada uma delas isoladamente.” Em outro centro de investigação científica, estudiosos descobriram que o besouro sobe em pelotas de excremento porque deseja refrescar-se – conclusão a que talvez não se teria chegado se os insetos, em seu alpinismo fecal, não tivessem sido calçados com botinhas de silicone.

No afã de alargar as fronteiras do conhecimento humano, houve também quem se embrenhasse pesquisa adentro para concluir que o macaco gibão tem registro vocal de barítono, emitindo sons muito graves. “Aí”, me contou o Flávio, “aplicaram gás hélio, para ver se eles ficavam com voz de Pato Donald. Ficaram.”

Um pouco mais de cultura trans? Saiba que homens estressados preferem mulheres de bunda grande, uma vez que mais peso sugere maior capacidade de sobrevivência em tempos duros. As mulheres, por seu turno, dificilmente resistem a uma cantada de pneus de um Porsche, o qual, segundo revelou uma pesquisa, pode ser para o macho uma arma de sedução comparável às penas grandes e brilhantes de um pavão. Mas não faltam fêmeas que, em vez de pavões motorizados, preferem parceiros com cicatrizes – marcas que, a seus olhos, atestam bravura e saúde.

Esteja ciente, também, de que mulheres adultas com queixo proeminente são sexualmente mais ativas que as outras. Explicação dos cientistas: essa característica morfológica estaria associada à presença de altos níveis de testosterona, hormônio masculino que, como se sabe, existe até no organismo da mais feminina das criaturas.

Não é só teoria que emana dos redutos da ciência. De lá, eventualmente, podem vir relatos dignos de página policial. Como a história do casal de nerds que conseguiu penetrar num setor ultraprotegido da Nasa e surrupiar material para, de volta ao ninho, realizar a fantasia de fazer amor numa cama atapetada com pedras lunares.

Ei, Flávio, trate de voltar, está no fim minha reserva de cultura trans!

******

Humberto Werneck é colunista do Estado de S.Paulo