Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Física pode explicar fenômenos paranormais

Eu tinha parado de ler sites de notícias, pois ler notícia estava me causando mal-estar. É tanta má noticia que chega a ser deprimente – nem mesmo o caderno de esportes escapa das noticias ruins. Porém, na segunda-feira (16/6) resolvi voltar a ler e fui surpreendido com uma matéria jornalística deprimente, porém sem ter nada a ver com violência: uma reportagem do portal G1 anuncia um suposto caso de exorcismo no Rio Grande do Sul e, para falar do assunto, o site trouxe um “especialista”, que seria um físico (ver “Após caso de exorcismo no RS, física explica fenômenos estranhos“).

“Acontecimentos sobrenaturais são reconhecidos pela física quântica”, diz o subtítulo da matéria. Aqui devemos usar do nosso senso crítico e perguntar se a informação procede, pois é quase óbvio que não devemos aceitar algo como verdade só porque está em um site de notícias de “credibilidade”. A física quântica, que é uma ciência, reconhece mesmo os acontecimentos sobrenaturais como fatos? Não, não reconhece. Confesso que não sei muito sobre Física quântica. Mas sei que o que, de fato, ocorre, é que há diversas (e bizarras) interpretações da mecânica/física quântica e, então, o que não faltam são “especialistas” tentando unir conceitos quânticos com sobrenaturalismo e afins. Na tentativa de entender o comportamento quântico das partículas a nível microscópico, surgem interpretações como: um objeto pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo; influência da consciência do observador nas medidas experimentais; uma partícula pode se comportar como uma onda e vice-versa; a existência de universos paralelos; ligação não local etc.

Mas nada disso foi provado, não há um artigo científico ou experimento de Física quântica que comprove que acontecimentos sobrenaturais são fatos. Então, o subtítulo da matéria, que na verdade é uma alegação do físico “especialista”, não passa de uma especulação.

Opiniões como notícias

“Pedras em casa são resultados de diferentes dimensões”, diz a outra parte do subtítulo da matéria, o que também não passa de outra especulação, sem qualquer evidência. Qual método foi usado para o físico “especialista” afirmar com toda certeza que tais eventos são resultados de diferentes dimensões? Científico, não foi. “Os objetos parecem atravessar paredes e, de fato, sob um ponto de vista, atravessam. É como se, de repente, eles se materializassem dentro da sala, passando através do teto ou da parede sem rompê-los. Trata-se de um fenômeno de uso de outra dimensão. Esses objetos passariam por uma dimensão que os nossos sentidos não percebem e depois seriam novamente percebidos na nossa dimensão.” Devemos considerar tal alegação uma ciência ou uma mera crença ou especulação? Baseado em qual evidência científica ou experimento, ou observação, o físico especialista pode alegar com toda certeza que tais objetos atravessaram as paredes porque estariam passando por outra dimensão? Nenhuma. Não há evidência. O que ocorre é que o físico desta matéria não está exercendo seu papel de cientista, como pensa que está, mas sim de um mero especulador, falando coisas com base em nada.

“O físico não descarta a combinação de energias para que os fenômenos ocorram”, diz a matéria. “Os espíritos desencarnados não têm condições de influenciar diretamente na matéria física. É uma questão de problema de vibração, de densidade. Então, eles precisam de alguém que ceda a energia, o chamado intermediário. Um médium, um psique dos americanos, permitiria àquelas inteligências não encarnadas a agir sobre a matéria física.” Aqui vemos a crença que foi sendo contada desde o início da matéria com máscara de ciência, só que sem a máscara. Um leitor leigo certamente pode acabar caindo na lábia pseudocientífica da matéria: um “especialista” que é um “físico” começa falando supostamente sobre um fato científico e termina falando de espiritismo. O leitor leigo, então, acaba engolindo toda pseudociência dita só porque foi um “especialista” quem disse.

Mas a pseudociência parou por aí? Não mesmo! Ainda na mesma matéria, o G1 entrevistou um psiquiatra que defende considerações “espirituais”.

Quero deixar claro que não sou contra a crença de ninguém, a questão aqui é outra: não é dever de um site de notícias informar? Pseudociência não é informação. A matéria aqui em questão não foi informativa, foi puramente especulativa e ainda parcial. Se na matéria tivesse, além das opiniões (que foram mostradas como notícias) apresentadas, opiniões divergentes e fatos, aí sim, seria jornalismo, pois haveria a informação e pontos de vista diferentes. Mas não, só foi mostrado um ponto de vista: cientistas defendendo uma tese de que o ocorrido no Rio Grande do Sul foi um evento paranormal e ainda por cima usando de pseudociência.

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Roni Pereira é filósofo, Salvador, BA