Desde 2008, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas publica seu Índice de Impunidade, um relatório que revela os lugares mais perigosos do mundo para jornalistas. Em 2014, o Afeganistão figurou em 6º lugar. Dentre os cinco assassinatos de jornalistas ocorridos no país na última década, nenhum apresentou punição aos criminosos.
Além dos riscos inerentes aos acontecimentos na região – que incluem sequestros, ataques insurgentes e represálias violentas de funcionários do governo afegão –, agora os jornalistas locais enfrentam mais um problema: a espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA).
Embora a questão da vigilância feita pela agência de inteligência americana seja conhecida desde sua divulgação por parte do ex-funcionário Edward Snowden, apenas no dia 23/5 houve a comprovação de que o Afeganistão está entre os países pesadamente vigiados pela NSA (juntamente às Bahamas, México, Quênia e Filipinas).
De acordo com o WikiLeaks, desde 2013 a NSA tem registrado e armazenado quase todos os telefonemas realizados no Afeganistão – e isso inclui aqueles feitos por jornalistas. A questão surge como uma ameaça ao trabalho dos profissionais da imprensa, que muitas vezes se veem em imbróglios diplomáticos enquanto apuram suas reportagens.
Driblando a vigilância
Para evitar que seus jornalistas sejam acusados injustamente de compactuar com insurgentes e grupos terroristas, muitas organizações têm treinado seus profissionais. As orientações incluem até mesmo um vocabulário a ser adotado durante a comunicação com o Talibã, indicando palavras que podem ser usadas ou devem ser evitadas. O telefone convencional também tem sido dispensado e muitas empresas têm optado por utilizar serviços de mensagens online, como o Viber, por exemplo. Ainda assim, muitos repórteres temem que suas conversas possam ser desviadas de contexto e que eles possam ser ligados injustamente a atividades insurgentes.
Tal preocupação não é injustificada, visto que muitos profissionais da imprensa continuam a ser detidos e interrogados – muitas vezes sem explicação. Desde 2002, as forças americanas já prenderam 220 afegãos em Guantánamo e milhares de cidadãos afegãos no Centro de Detenção de Parwan – a maioria sem acusação formal ou direito a julgamento.
Foi o caso de Jawed Ahmad, jornalista afegão que passou 11 meses preso em Parwan, após ser classificado como combatente inimigo ilegal – embora ele alegue nunca ter sido acusado formalmente como tal. Após sua libertação, Ahmad declarou ter sido mantido em condições sofríveis durante seu cárcere, tendo passado inclusive por espancamento e torturas, como privação de sono.
Recuperando a confiança
Embora o governo americano declare apoiar a liberdade de imprensa, as práticas da NSA claramente minam o trabalho dos meios de comunicação afegãos num momento crucial, pois na era pós-Talibã é esperado que a imprensa possa ascender no país, levando a informação de maneira mais transparente ao público e poupando seus jornalistas de tantos riscos.
Com o possível recuo das forças internacionais do Afeganistão até o final de 2014, espera-se que haja maior sensibilidade aos jornalistas do país. O jornalista Ahmad Shuja crê que, se frear tal fiscalização, o governo dos EUA terá a chance mostrar que é sensível às preocupações destes profissionais, ganhando assim a chance de se redimir por seu programa de vigilância em massa.
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