Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vera Guimarães Martins

Para quem prega a transparência no “Manual da Redação”, a Folha tropeçou duplamente na semana que passou. A primeira pedra no caminho apareceu na segunda-feira, quando o poeta Augusto de Campos divulgou uma carta aberta acusando o jornal de usar sua obra sem autorização, sem pagar direitos autorais e num contexto equivocado.

O pivô da ira de Campos foi uma página da edição de sábado, que repercutia os xingamentos dirigidos à presidente Dilma Rousseff na abertura da Copa e discutia os limites entre vaia e insulto. O material era ilustrado pelo poema concretista VIVA VAIA. O poeta protestou.

“A brutalidade da conduta de alguns torcedores mereceria incisiva condenação, não dubitativa cobertura, abonada por um poema meu publicado fora do contexto”, escreveu. Diga-se que a opinião foi compartilhada por alguns leitores, que consideraram a cobertura leniente na condenação do insulto.

O “Painel do Leitor” publicou a carta na edição de terça, sem nenhuma nota da Redação. A indignação do autor ou as acusações que ele fazia não mereceram resposta.

Perguntei a razão na crítica interna e repeti a pergunta para escrever esta coluna. A Secretaria de Redação foi lacônica: “A Folha citou o poema gráfico de Augusto de Campos, com o devido crédito na reportagem, de acordo com a lei dos direitos autorais (lei 9.610/98). O direito de citação independe de autorização ou consulta do autor e consequente remuneração”.

Arrogância, 1 x Diplomacia, 0.

Nem bem assentado o pó da vaia, na noite de quarta, o jornal encalhou num rochedo –ou numa monumental “barriga”, como se denomina nas Redações uma notícia errada. Não chega a ser consolo (nem desculpa), mas, nesta, a Folha não embarcou sozinha. A “barriga” foi compartilhada com “O Globo” e um dos mais conhecidos jornalistas brasileiros, Mario Sergio Conti.

Conti tem currículo incomum. Foi diretor de Redação do “Jornal do Brasil” e das revistas “Veja” e “piauí”. Na TV, mediou o “Roda Viva”, na Cultura, e atualmente ancora o programa “Diálogos”, na GloboNews. Escreveu o livro “Notícias do Planalto”, sobre o impeachment de Fernando Collor.

Colunista da Folha e do “Globo”, procurou os dois jornais para oferecer uma entrevista exclusiva com o técnico Luiz Felipe Scolari, obtida na ponte aérea Rio-São Paulo. O texto chegou tarde e, dadas as credenciais acima descritas, foi direto para a página e o site. Tinha a qualidade e o sabor característicos do autor –só que com o personagem errado. Conti entrevistou um sósia profissional de Felipão.

O erro foi percebido fora da Redação, por um dos repórteres da equipe que acompanha a seleção e leu o site. O post foi retirado. Parte da edição nacional já impressa foi recolhida e destruída. Sobrou a perplexidade diante de erro tão primário.

Não vou listar aqui todas as improbabilidades que deveriam ter ligado o sinal amarelo do colunista ou de quem editou o material. Blogs, sites noticiosos, leitores e diletantes já fizeram isso à exaustão.

Erros, por mais crassos, acontecem, e o episódio Jayson Blair no “New York Times” está aí para mostrar que não é prerrogativa da imprensa nacional. A diferença está em como se lida com eles e, neste aspecto, a Folha ficou devendo.

Na primeira versão, o Erramos do site dizia que o colunista havia sido vítima de trote, versão difícil de engolir quando o próprio entrevistado entregou um cartão escancarando sua condição de imitador. O segundo foi mais direto: “Felipão não falou com colunista da Folha”.

Na quinta à noite, o site publicou matéria com as explicações de Conti e o conteúdo original da entrevista –no que fez muito bem, só que fez muito tarde. A história já tinha ganhado o mundo virtual, levando o jornal a reboque. No impresso, o caso foi relatado na sexta, em reportagem menor e no pé de página.

Em ambas, só Mario Sergio Conti se explica e se desculpa. Ninguém da Folha se pronuncia. O colunista assumiu a falha sozinho. “Foi um erro tolo. Não prejudiquei ninguém, a não ser eu mesmo”, declarou.

É muita modéstia. Faltou lembrar dos prejuízos materiais e do arranhão na credibilidade dos jornais, um ativo que não tem preço.

Fim do jogo (e da semana): Arrogância, 2 x Autocrítica, 0.

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Vera Guimarães Martins é ombudsman daFolha de S. Paulo