Após Neymar cobrar o escanteio e Thiago Silva resvalar para trás, Gonzalo Jara tentara evitar que David Luiz marcasse para o Brasil. A bola espanou e entrou na sua própria meta. O registro do gol para o brasileiro não foi alívio. A cobrança do último pênalti para o Chile seria, essa sim, a redenção de Jara. Empataria a série e ressuscitaria sua seleção na Copa.
Correu convicto. Firmou a perna esquerda no gramado, inclinou o corpo para trás e fez uma alavanca. Bateu na Brazuca com o lado de dentro do pé direito, jogando a perna para cima. A bola saiu girando, forte, à meia altura, no canto, bem no canto, além do alcance das mãos defensoras de Júlio César. Certo de que ela entraria, Jara esboçou uma comemoração.
Deu os primeiros dois passos do que seria a corrida para a glória. Mas congelou o terceiro, incrédulo, ante o que acabara de ver. A Brazuca chocou-se contra a parte interna da trave esquerda, girou no sentido horário e descreveu uma parábola impossível. Voou paralela à linha do gol, driblou a trave oposta, e saiu pela linha de fundo. Bola fora, Brasil dentro.
Um centímetro que ela batesse mais à esquerda, houvesse uma concavidade na trave, e talvez a Brazuca enfunasse a rede brasileira, mudasse a carreira de um jogador, a trajetória de sua seleção, o futuro da melhor geração chilena no futebol, o resultado da Copa. Quem sabe até, a história da eleição.
37 dias sem musiquinha da Fifa
O duplo erro de Jara, no escanteio e no pênalti, garantiu mais uma semana de indivisível atenção dos brasileiros à Copa. Os erros foram tão improváveis que seria impossível planejá-los. Para despeito de quem acredita que há sempre alguém puxando as cordas do destino, trata-se apenas do aleatório, o deus que rege o universo e, acima de tudo, o futebol. Sorte de Dilma.
Ao longo de junho, a presidente conseguiu sustentar sua taxa de aprovação e, por consequência, seu eleitorado – a despeito de mais uma queda da confiança do consumidor medida pelo Inec. O índice calculado pela CNI com base em pesquisa do Ibope é a série histórica que guarda maior correlação com a popularidade presidencial. Foi assim com Lula e FHC, é assim com Dilma.
Por que, então, o aumento do pessimismo em relação ao próprio poder de compra, à inflação e ao desemprego não fez mais eleitores virarem casaca contra a petista? Porque é, para além do marketing oficial, uma Copa de copas e imagens. Os gols decisivos de James Rodríguez, os dribles desmoralizantes de Robben, o tique-taque alemão, os aviões de dinheiro africanos, as mordidas de Luis Suárez, o choro dos jogadores brasileiros – e milhões de doses de cerveja, caipirinha e tequila.
Não há enredo de ficção que iguale o drama da realidade. A Copa é o maior palco do mundo e ao seu redor pulsa um carnaval multinacional. A festa dentro e fora de campo mudou a opinião dos brasileiros, melhorou seu humor. Pesquisa Ibope divulgada por Época mostra que a atitude dos anfitriões perante a Copa esquentou e que mais gente apoia o evento. Alívio para Dilma.
Até quando? Até a Copa acabar ou até o Brasil ser eliminado. Nas oitavas, a eliminação da seleção brasileira seria precoce, e a ressaca, grande. Das quartas para frente, é do jogo – e o jogo mostrado até aqui pelo time de Felipão não alimenta muita esperança. Seja quando for, a festa acaba quando termina. E aí começa uma janela de tempo desafiadora para Dilma.
A publicidade governamental estará suspensa, por lei, a partir de 7 de julho. O palco da Copa será desmontado no dia 14. E ainda faltará mais de um mês até que Lula possa entrar em campo durante o horário eleitoral no rádio e na TV. Serão 37 dias sem musiquinha da Fifa, sem a enxurrada de propaganda das estatais, e sem Messi nem Neymar para dividir as atenções. Será hora de Dilma mostrar se é Espanha ou Holanda.
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José Roberto de Toledo é colunista do Estado de S.Paulo