Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bola de cristal

É conhecida a história daquele editor de jornal que se lembrou, em cima da hora, que, no dia seguinte, era Páscoa e o jornal precisava se referir à data. Entrou na redação e pediu a um repórter: “Escreve aí cinco linhas sobre o martírio de Jesus Cristo.” E o repórter: “A favor ou contra?”

Também faz parte do folclore jornalístico a matéria feita antes do fato, que vale para qualquer eventualidade. Considerações sobre o nada, à prova de desmentido. Outro recurso do jornalista na sua eterna luta com os prazos de fechamento do jornal é fazer duas matérias, uma prevendo uma coisa e outra prevendo o seu oposto. Este é perigoso, pois há sempre o risco de haver confusão e sair a matéria errada. No caso do futebol, a matéria dupla feita antes de se conhecer o resultado do jogo – por que ganhamos, por que perdemos – requer uma dose ainda maior de sangue-frio.

O essencial. A verdade é que entre todos os avanços tecnológicos disponíveis, hoje, para jornalistas e palpiteiros ainda não inventaram o que realmente precisamos. Lembro a sensação que foi, entre nós, subdesenvolvidos, a aparição de jornalistas europeus com computadores portáteis, ainda primitivos, mas já anos na frente dos nossos humildes blocos de notas e canetas, na Copa do México, em 1986.

Uma análise abalizada

Transcrevíamos nossas notas com máquinas de escrever pré-históricas e, depois, picotávamos nossas matérias em fitas de Telex, para transmiti-las à redação. Hoje temos tudo na palma da mão e na ponta dos dedos – celulares, smartphones, tablets, satélites e etcéteras eletrônicos – para transmissões instantâneas, mas ainda não temos bolas de cristal.

Nada mais antigo, do tempo de magos e feiticeiras, do que bolas onde se enxerga o futuro. Mas falta a versão para jornalistas.

Assim não dá.

Tortura. Confissão: o texto acima foi escrito antes do jogo entre Brasil e Chile, no Mineirão. Agora eu sei qual foi o resultado da partida. E cada vez me convenço mais que decisão nos pênaltis deveria ser proibida pela Convenção de Genebra. Quanto ao jogo propriamente dito, minha análise abalizada é a seguinte: Ufa!

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Luis Fernando Verissimo é jornalista e escritor