Para mim era uma invenção, ficção ou intriga da oposição. Mas agora é fato comprovado: a Fla-Press existe. Pelo menos, em O Globo. Foi estarrecedor receber meu exemplar de assinante no sábado (5/7) e ler o ‘editorial’ de Carlos Eduardo Mansur na página principal da editoria de esportes. Li, reli e não acreditei. Como pode um dos principais jornais do país transformar um ‘memorando interno’ numa nota oficial para milhares de leitores? É desrespeito, incompetência ou falta de sensibilidade? O texto é uma mensagem de alívio pela volta dos holofotes da redação de O Globo para o Flamengo. Poderia ser assinado tranqüilamente pelo sr. Kleber Leite ou pelo sr. Marcio Braga.
O ‘editorial’ de Mansur transforma-se numa verdadeira lição de como se faz jornalismo quando relata que na redação ‘era recebido pelo editor Antonio Nascimento fazendo com os dedos o sinal de que o tamanho da matéria era, digamos, uma notinha encorpada’. Chega a falar em ‘briga desigual’, comparando o Flamengo com os outros três grandes clubes cariocas. E mais: ‘Esta semana fui até parar nas Laranjeiras’, afirma Mansur, transparecendo um certo incômodo com a sua missão profissional, para não dizer um desconforto com a tarefa que lhe foi dada. Agora, de acordo com o conceito de imprensa de Mansur, imagino que o editor Antonio Nascimento deva estar na redação fazendo com um dos dedos de cada mão (bem afastadas uma da outra) o sinal de que o tamanho da matéria pode voltar a ser enorme.
Bastidores da cobertura
E tem mais (os absurdos estão longe de acabar). No último parágrafo, Mansur desabafa: ‘Parece que tudo voltou ao normal’. O que é voltar ao normal para o jornal O Globo? É oferecer mais espaço para o Flamengo? A equipe rubro-negra ocupa de forma competente a liderança do Campeonato Brasileiro e não precisava do insucesso dos rivais para voltar a ser a principal matéria da editoria. O que se depreende é que devemos torcer contra todos os adversários para que tenhamos nosso clube em destaque em O Globo.
Para finalizar a lista de descalabros, vale destacar uma grande euforia do repórter com a volta da ‘torcida, crianças, muita imprensa…’ Onde estavam os torcedores do Flamengo, as crianças rubro-negras, a imprensa, antes deste sábado? O que fez a ‘torcida, crianças, muita imprensa…’ voltarem à Gávea? Aguardamos a resposta de Mansur e seus editores.
Pensei que havia encerrado, mas ainda há a pérola final: ‘A matéria ao lado mostra que também no Globo, o Flamengo volta a viver dias de Flamengo’, afirma Mansur. A declaração é o resumo de todo o desastre. Estou intrigado para compreender o que mudou neste sábado para que, a partir de agora, o Flamengo passe a ter mais espaço nas páginas de O Globo. Foi o fim da principal competição das Américas? O repórter parece aliviado por isso, pelo torneio continental ter chegado ao fim e tirado de cena protagonistas mais ilustres. Lamentável. A Fla-Press existe.
A única coisa positiva deste triste momento da imprensa brasileira é a lição para milhões de estudantes de jornalismo do país, que podem – a partir de agora – constatar como são os bastidores da cobertura esportiva de um dos principais jornais diários brasileiros. Grande lição.
******
Autônomo, Rio de Janeiro, RJ