Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

É preciso aprender a ler

Os estudos do professor, pesquisador e jornalista Luiz Gonzaga Motta que se debruçam sobre a análise crítica da narrativa jornalística oferecem caminhos técnicos e científicos que permitem desvendar a intencionalidade dos textos de imprensa. Permitem trazer à tona o conteúdo subjetivo encoberto pela aparente objetividade do texto jornalístico. Isso significa dizer e assumir que a narrativa jornalística diz muito mais para o leitor do que ele imagina estar realmente lendo. Servem, portanto, como instrumento para demonstrar como o mau humor generalizado da grande mídia com o Brasil, personalizado no Partido dos Trabalhadores e na presidente da República, Dilma Rousseff, culminou como incentivo para que a torcida que estava na Arena Corinthians para o jogo de abertura da Copa do Mundo 2014 proferisse palavrões e xingasse em coro a presidente do Brasil para que o mundo todo pudesse ver e ouvir.

Mais que isso. O discurso dos grandes jornais não apenas serviu, mas continua servindo como incentivo a atitudes despropositadas. Um exemplo a ser examinado é a manchete do jornal Folha de S.Paulo de 13 de junho: “Brasil abre a Copa com gol contra, virada e vaia Dilma”. O mau humor é o de sempre. Atente que a Folha opta por abrir a frase com “Brasil” e não seleção, ou time. Afinal, Brasil é país, é nação, lugar de morada de mais de 200 milhões de pessoas e não um conjunto de jogadores de futebol. A frase ainda liga imediatamente “Brasil” a “gol contra”: Brasil falha, é o que primeiro grita a manchete. Mas, um suspiro de positividade aparece em “virada”. A seleção abriu o placar com um gol contra de Marcelo, virou e venceu por um placar de 3×1. “Virada” foi apenas o suspiro para o grande arremate: “(…) e vaia Dilma”. Oras, o significado do verbo “vaiar” é um. O de “xingar” é outro. De acordo com as técnicas consagradas do jornalismo e as regras vociferadas pelos manuais de redação, o fato mais marcante e chamativo é o que deve ser escolhido. Entre vaiar e xingar, qualquer jornalista optaria por destacar o xingamento (se não houvesse espaço para os dois). Mas, por algum motivo, a Folha escolheu “vaia” e, assim, minimizou o fato que correu mundo afora e deixou com vergonha os mais sensatos. Será que a escolha do verbo “xingar” poderia dar à presidente Dilma Rousseff um papel de vítima no episódio fazendo os leitores questionarem a atitude? Quem sabe. É uma opção para análise de cunho político.

Carência irresolvida

Para finalizar, voltemos à opção da Folha de usar “Brasil” em vez de “seleção”. Basta cortar o miolo da manchete para ler: “Brasil (…) vaia Dilma”. Uma escolha que possibilitou ao jornal misturar política, partidarismo e futebol.

E, assim, recorremos mais uma vez aos estudos do professor Motta que, agora, em sua mais recente pesquisa, investiga qual a visão de Brasil, qual a identidade nacional criada pelos textos da grande imprensa brasileira, especificamente por meio da cobertura política, na cabeça dos seu leitores, nós brasileiros. Para o pesquisador, a cobertura política dos grandes jornais é centrada nos bastidores, nos conchavos políticos, maltratando uma cobertura mais ampla e contextualizada de o que esses fatos significam para o país que temos e queremos ter. Apesar de a Folha ter escolhido “Brasil” em seu título, para o pesquisador, o Brasil não é o grande personagem da narrativa jornalística. Os grandes personagens são os políticos, os partidos e seus conchavos.

O Brasil ainda carece de imprensa que o trate. E os brasileiros precisam aprender a ler o que a imprensa escreve por trás de suas linhas. Sua subjetividade, sua intencionalidade. Caso contrário, a sociedade estará fadada a ser massa de manobra. A xingar Dilmas, a linchar Fabianes, a amarrar pessoas em postes. A diferença entre “vaiar” e “xingar” é decisiva. A diferença entre ler e saber ler também.

Referências

MOTTA. Luiz G. “Análise crítica da narrativa”. Brasília: Unb. 2013.

******

Melissa Bergonsi é mestranda no POSJOR-UFSC e pesquisadora do objETHOS