Há de se considerar que a cidadania tem como característica principal a participação, por parte do cidadão, dos atos e decisões que se dirigem para o aspecto coletivo das decisões emanadas no seio da vida social, e não simplesmente pelo simples fato de saber, ou ter consciência, sobre o que deve ser feito. Cidadania é o que se faz na cidade, e não somente o que se sabe fazer. E é em meio a essa distância entre o fazer e o saber que se situa o software da cidadania: a interatividade.
O que aconteceu nas ruas brasileiras em junho de 2013 não foi um fenômeno político, como quase todo mundo imaginou. E sim, um fenômeno midiático provocado pelo poder de interação proveniente dos sites de relacionamento, como o Facebook e outros tantos do mesmo gênero. O fenômeno não foi só um caso brasileiro, mas sim, um fenômeno social-midiático que assolou o Egito, uma parte considerável da Europa e que está acontecendo na Venezuela.
Ora, a informação gera, em parte, consciência, mas a consciência da realidade se é capaz de arrancar o sujeito singular de seu sofá e levá-lo às ruas, nem sempre tem a força necessária para dar manutenção ao cotidiano do cidadão pleno, que com poder de engajamento, tende a se movimentar com propósito definido e a caminhar para um fim específico. O que se viu e ainda se vê em muitas manifestações são apenas “indignações” de uma cidadania órfã, sem rosto, que aposta na revolta sem saber o porquê, onde cada qual se comporta como sujeitos avulsos, sem a intenção de se ver fazendo, o que julga ser preciso fazer. Daí a natureza apartidária e apolítica de tais movimentos: é o vaivém do vale-tudo que se dirige contra qualquer coisa que seja passível de se transformar em objeto de protesto e indignação, sobretudo quando o alvo é o outro, e não a si mesmo como sujeito de participação.
A “senhora interatividade”
Em momento algum da história um sujeito qualquer teve a oportunidade se tornar visível para um grupo de cinco mil pessoas, como é possível agora com os sites de relacionamento. Mesmo que alguém não seja capaz de se relacionar intensamente com esse enorme número de pessoas, ao menos passou a ser visível, em seu cotidiano, por um número significativo de outros tantos. E essa capacidade de se fazer visível fez com que tal aparição colocasse todos os internautas em um solo de interatividade para além do que alguém jamais pudesse imaginar.
No passado somente esporadicamente, como na bíblia, era possível ver registro de um homem singular se dirigindo a uma multidão de cinco mil sem a ajuda dos meios de comunicação. Na atualidade, com os sites de relacionamento o sujeito individual, de maneira amadora, agora diz, e mais, não é só um quem fala e os outros escutam: todos falam e todos escutam, e mais, todos se veem.
Mas não há indícios de que esse tipo de manifestação de fato resulte em participação política. O que se vê com a interatividade é a capacidade de um número importante de pessoas interagir, sem finalidade, como se ela fosse heroína de si mesma. Apelidada de gigante, a “senhora interatividade” foi às ruas (ou aos shoppings: rolezinho). Mas sem lenço e sem documento: eis aí o mais recente software, o da “cidadania”, onde a história fica reduzida a um álbum de fotografia no perfil, daquilo que foi visto e fotografado nas ruas, sem cara, sem partido, sem bandeira e sem cidadão real, que atropela tudo que vê pela frente, inclusive o que é próprio do verdadeiro cidadão: o patrimônio.
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Wagno Oliveira de Souza é mestre em ética e filosofia política, professor de Lógica Jurídica e pastor evangélico