Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O voto do eleitor conectado

Alguns observadores da sociedade, que também utilizam a imprensa como lente, afirmam há algum tempo que a rápida expansão da tecnologia da informação, poderosa indutora de novos comportamentos, traz em si, além da capacidade de agregar todas as mídias já existentes, uma dinâmica própria baseada na absorção de praticamente todas as intenções de comunicação e a característica de estimular a iniciativa de comunicar. Assim, ao contrário da mídia impressa, do rádio e da televisão convencionais, a internet incita no indivíduo o protagonismo, obrigando-o a se habilitar para a integração aos grupos que se relacionam nas redes.


Pode-se afirmar, portanto, que a tecnologia da informação, além de oferecer aos seus usuários os conteúdos aportados pelas fontes tradicionais e pelos demais participantes das redes, tende a criar um ambiente propício à qualificação progressiva de todos os participantes – uma vez que, para ser levado em conta, cada um deles precisa cumprir determinados protocolos, entre os quais se inclui desenvolver a linguagem comum a cada rede de relacionamento e acumular certo grau de conhecimento e capacidade de contextualização dos assuntos tratados.


Seja na área de comentários de um blog, nas seções em que as empresas de comunicação segregam os anônimos, ou nas redes de relacionamento propriamente ditas, onde se desenvolvem os temas de interesse comum aos participantes, ninguém permanece muito tempo se não apreender alguns protocolos e se não desenvolver a capacidade de oferecer algum valor – mesmo que negativo – às trocas que ali se sucedem.


Tempo de leitura


Essa é uma das facetas da revolução cultural que está ocorrendo na sociedade contemporânea. Ela pode ser observada pelas mudanças que impõe à economia, à política, às tendências de comportamento e até mesmo à natureza de certas profissões e determinadas formas de negócio. O jornalismo é certamente uma dessas profissões que mais rápida e radicalmente sofre transformações, e o negócio das empresas de comunicação também está sendo levada a enfrentar o desafio das mudanças de modelo, impostas de fora para dentro.


Enquanto essas mudanças eram percebidas como originadas na curiosidade do seu público, as empresas de comunicação puderam se valer de táticas de marketing e iniciativas dissimuladoras, falseando uma abertura para o protagonismo através dos blogs e dos chats organizados em torno de temas específicos. Mas o universo dos cidadãos conectados não apenas alcança rapidamente o ponto de massa crítica, como emite sinais claros de autonomia e autodisciplinamento, o que inevitavelmente indica às chamadas forças do mercado que os modelos tradicionais de condicionamento da vontade do público estão deixando de funcionar.


Nesse sentido, convém ler com atenção a reportagem chamada na primeira página da edição de segunda-feira (7/7) da Gazeta Mercantil. ‘O primeiro voto de confiança à internet’, dizia a manchete do tradicional jornal de negócios. A matéria [ver abaixo] tratava do fato de que, no primeiro trimestre deste ano, 41,5 milhões de brasileiros com idade para votar têm acesso à rede mundial de computadores, segundo dados da pesquisa Ibope/NetRatings publicada uma semana antes. Além disso, a classe de renda A e B já não domina os gráficos dos perfis de usuários.


Praticamente 50% dos internautas brasileiros são cidadãos das classes de renda C, D e E , ou seja, a internet torna-se progressivamente um meio de acesso à informação – e de expressão pública de desejos e opiniões – menos elitista do que jornais e revistas. Cerca de metade desses 41,5 milhões de cidadãos eleitores, conforme destaca a Gazeta, passaram pelos chamados sites de relacionamento no mês de maio passado – comportamento que os analistas consideram como sinal de disposição para o protagonismo. Acrescente-se a isso o fato de que, com uma média de 23 horas e 48 minutos dedicados mensalmente a navegar na internet, o brasileiro é líder mundial em tempo de utilização da rede.


Para comparar, convém lembrar que os 92 jornais brasileiros filiados ao Instituto Verificador de Circulação (IVC) vendiam diariamente, em 2007, pouco mais de 4 milhões de exemplares, segundo os dados mais recentes publicados. Também é importante observar que, enquanto cresce o tempo dedicado pelo brasileiro à internet, diminui o tempo de leitura de jornais. Em 2001, o brasileiro gastava 64 minutos por dia, nos chamados dias úteis, para ler ou folhear um jornal. Em 2007, esse tempo caiu para 45,39 minutos diários, em média.


Desafio interessante


Esses dados indicam que os meios tradicionais não apenas não conseguem acompanhar os números da internet no que se refere a volumes de audiência, como também patinam na capacidade de se oferecer como alternativa para o desejo de protagonismo manifestado pelo público.


Com uma linguagem e uma escala de prioridades desenhadas para públicos homogêneos, as empresas tradicionais tendem a se isolar em nichos menos dinâmicos, mais afeitos à consolidação do conhecimento do que à natureza mutante da rede. Com uma estrutura de decisões centralizada e visceralmente arraigada na matriz ideológica de seus fundadores, as empresas que fazem o jornalismo de papel ou o jornalismo eletrônico de mão única têm certamente mais dificuldade para entrar no jogo aberto no qual, a qualquer momento, um usuário credenciado pode desmentir a afirmação de uma reportagem, artigo ou editorial e – pior – levar essa divergência a um público maior do que aquele que foi alcançado pela mensagem original.


O risco é tanto maior quanto mais genérico o leque dos temas oferecidos pelo veículo, porque as publicações especializadas em negócios, finanças ou esporte, por exemplo, contam com mais especialistas e se colocam em ambientes menos vulneráveis à dissidência ou ao desmentido que pode comprometer sua reputação.


O desafio é especialmente interessante para os jornais e revistas que tradicionalmente dão o tom das campanhas eleitorais. Como bem lembra a Gazeta Mercantil, o Brasil tem agora 41,5 milhões de internautas eleitores. Quantos deles ainda lêem jornais e revistas de papel? Quantos vão escolher seus candidatos baseados no que diz a imprensa tradicional?


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Brasil tem 41,5 milhões de internautas eleitores


Clayton Melo # copyright Gazeta Mercantil, 7/7/2008


Dados do mercado de internet relativos ao primeiro trimestre deste ano trazem uma informação que pode soar como música aos ouvidos dos candidatos. Segundo o Ibope/NetRatings, instituto especializado em pesquisas sobre a rede, 41,5 milhões de brasileiros com mais idade de 16 anos – portanto, com idade para votar – declararam ter acesso à rede. A navegação se dá pelos mais diversos ambientes: residência, cibercafé, trabalho, bibliotecas e escola, entre outros.


Só essa informação já seria suficiente para despertar a atenção dos candidatos. À parte algumas possíveis restrições de utilização da rede no próximo pleito, impostas pela justiça eleitoral, cabe observar que a web se espalha pelos vários segmentos sociais , derrubando a idéia de que está confinada a um grupo seleto, formado por adolescentes abonados.


Embora ainda represente uma parcela expressiva do total de usuários da rede, a classe AB, com 50%, não reina mais absoluta, como ocorria há até pouco tempo. Hoje, internautas da C (37%) e DE (13%) já representam 50% do total de usuários.


Outro indicador importante para os políticos diz respeito ao tempo de navegação. De novo segundo o Ibope Net/Ratings, o internauta brasileiro navega em média 23h48min por mês, desempenho que coloca o Brasil na liderança mundial em tempo de navegação residencial, superando países como EUA, Japão, Alemanha, Itália e Inglaterra. Os mercados que mais se aproximam são Japão (21h34 min), França (20h23min) e EUA (19h46min).


Interativa


As redes sociais, como se convencionou chamar a internet interativa, são igualmente um aspecto relevante na análise sobre o desenvolvimento da internet no Brasil. Só em maio, 18,5 milhões de pessoas passearam por sites de relacionamento e comunidades virtuais. Se incluirmos na soma os fotologs, videologs e comunicadores instantâneos – conhecidos popularmente como ‘Messengers’–, a conta sobe para 20,6 milhões de usuários por mês.


Com a reunião um público desse porte, pululam os negócios na internet. Situado entre os dez países com maior número de internautas no mundo, o Brasil tem um comércio eletrônico que faturou R$ 6,4 bilhões em 2007. O número de consumidores virtuais ultrapassa 9,5 milhões, segundo a e-bit, empresa de pesquisas on-line.


Publicidade


Grandes marcas de vários segmentos, como montadoras, bancos, construtoras, hoje fazem da web extensão para seus negócios ou destinam a esse meio verbas cada vez mais polpudas para estratégias de marketing.


Exemplo disso é que o investimento publicitário na internet no Brasil alcançou R$ 527 milhões em 2007, uma expansão de 45,8% sobre 2006, perfazendo 2,8% do bolo publicitário brasileiro. Foi a mídia que mais cresceu no ano passado.


Esse cenário ajuda a compreender o que é a web no Brasil. Cabe aos candidatos, agora, uma análise detida sobre as melhores formas de dialogar com a multidão de eleitores que navega pela rede mundial de computadores.

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Jornalista