Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mais do mesmo

Na sexta-feira (4/7), a ótima revista “Eu & Fim de Semana” do Valor Econômico trouxe um colírio: a entrevista de Cacá Diegues escrita por Luis Antonio Giron, uma semana depois que toda a imprensa coordenada publicou na capa dos principais jornais chamadas para o livro de memórias do cineasta. Deu prazer ler a entrevista solo sobre Vida de Cinema, com Cacá afirmando: “Não tenho estilo, para mim todo filme tem três papéis a cumprir: emocionar, fazer pensar, encantar”. É mais ou menos o que a imprensa deve se propor, metas desvirtuadas quando a entrevista surge em massa em todos os grandes jornais que sobraram no país, Estado, Folha, Globo, como aconteceu no dia 28/06/2014.

É evidente que houve um comando da editora, no caso a Objetiva, e é óbvio que todos os jornais obedeceram as exigências, junto com a Época da mesma semana. Dá paúra ficar de fora de uma boa pauta, sobre um excelente cineasta, levar um furo do concorrente e ainda ficar excluído da próxima quando um livro desse quilate surgir.

Mas por que o leitor deverá assinar os três jornais e a revista se ele pode ler os excertos na internet? Por que assinar um jornal se para se emocionar, se encantar e começar a pensar tudo o que ele não precisa é de massificação e se sentir teleguiado?

Pauta única

Para Cacá, foi ótima essa divulgação e claro que o autor obedeceu à risca as determinações do editor de não falar antes a qualquer jornalista para não furar o furo. A notícia deve surgir assim democrática, igual para todos, como se nenhuma fonte pesquisada individualmente fosse viável, como se não houvesse mais repórter capaz de cavar um assunto único para sair na frente, ou atrás.

Sem surpresas, a técnica hoje é aguardar o comando e não fazer pipi fora do penico. Como ficou registrado o romance Aguapés (Ed. Biblioteca Azul), da convidada para Flip Jhumpa Lahiri, que apareceu nos três jornais em entrevistas uníssonas na mesma data da explosão ou geração espontânea da matéria do Cacá Diegues. Finalista do Man Booker Prize no ano passado, o livro reflete o descompasso entre pais e filhos em diferentes gerações, que podem ir da Calcutá dos anos 1950 e 60 aos Estados Unidos de hoje. Um ótimo assunto, mas o leitor deve se perguntar por que a grande imprensa brasileira descobriu ao mesmo tempo a autora inglesa de origem indiana, e resolveu publicar a entrevista no mesmo dia?

O que é bom para o editor e o jornalista é bom para o leitor? Deve se perpetuar a crença de que nenhum leitor vai ler dois jornais ao mesmo tempo, quanto mais três, mais as revistas, então tanto faz dar tudo igual e surpreender cada um à sua maneira?

Quando foi que o jornalismo cultural caiu numa acomodação tão insossa e as páginas, além de encolherem, foram convencidas de sua pequenez e insignificância diante da internet?

Quem gosta de ler e de diversificar se sentiu enganado e deu um suspiro de alívio quando leu este Cacá solo no Valor, uma semana depois (e daí?), quando pôde com calma e tendo a certeza de que estava diante de uma entrevista única.

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Norma Couri é jornalista