Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Como Felipão embriagou boa parte da imprensa esportiva

O velho clichê de que o Brasil tem 200 milhões de técnicos torna-se ainda mais evidente em época de Copa do Mundo. Do torcedor que acompanha de perto o esporte até a avozinha que nem sabe ao certo quantos jogadores estão em campo, todos têm a sua fórmula para que o Brasil vença. Mas há uma turma que vive disso, que estudou e estuda arduamente para fazer análises e projeções sobre tudo que cerca o futebol; são os jornalistas esportivos e foram eles, ou melhor, muitos deles, que acabaram embriagados pelas fanfarronices folclóricas que o técnico Luiz Felipe Scolari ofereceu durante os últimos 12 meses.

Antes de citar o grande equívoco da imprensa esportiva no caso Felipão, cabe uma distinção da mesma; existe a parte séria, que é aquela preparada para levar informações e reflexões relevantes aos que a assistem, leem ou ouvem, e há uma outra, formada pelos que fazem “tipo”, com gritos, falsas discussões, patriotismo cafona e tentativas constrangedoras de serem engraçados. Vamos focar apenas na primeira parte, já que é composta por profissionais de verdade.

Quando Felipão assumiu a seleção brasileira, a mesma estava em um momento ruim, faltavam talentos, padrão de jogo e resultados. Houve algumas críticas à sua contratação, apontando que ele era um técnico ultrapassado, porém a conquista da Copa das Confederações, batendo seleções como Itália, Uruguai e, na final, a então toda poderosa Espanha, fez com que o técnico se tornasse praticamente uma unanimidade entre especialistas e torcedores. Aquele desfecho apoteótico no Maracanã (3 x 0 nos espanhóis com sobras) deu a certeza a Felipão e a todos que beberam de seu cálice de que o hexa viria com a mesma naturalidade. Começava ali a perigosa carta branca que o jornalismo esportivo raramente dá a um técnico de seleção brasileira. Que a torcida embarcasse nessa, era esperado – somos passionais; se ganhou está ótimo, se perdeu nada presta –, mas os profissionais de imprensa deveriam ter sido mais cautelosos e, principalmente, mais críticos com o que viria.

Os superpoderes motivacionais

Do título conquistado em 2013 contra a Espanha até a convocação final para a Copa deste ano, muitos problemas surgiram, jogadores em má fase em seus clubes, outros contundidos, mas Felipão seguia com sua tese excêntrica de “grupo fechado”, chegando inclusive a garantir com muita antecedência que alguns atletas estariam no Mundial independente da fase ou de serem reservas em seus times. Fred, machucado por longos meses e depois sem ritmo de jogo, seguiu como nome certo na lista. Paulinho, Oscar e Bernard foram reservas durante boa parte da temporada e também estiveram na lista. Jô, centroavante altamente questionável mesmo quando está bem, entrou numa péssima fase e, ainda assim, foi convocado. Poucos jornalistas esportivos bateram de frente e expuseram o absurdo que estava sendo cometido.

Caberia a essa parte da imprensa esportiva bem preparada debater mais sobre as “certezas absolutas” de Felipão, demonstrar preocupação com o mau momento de vários jogadores e “cutucá-lo” com mais veemência. Sem praticamente nenhuma cobrança, o comandante brasileiro seguiu tranquilo, sem nem ao menos tentar novos repertórios táticos com os jogadores que faziam parte da “família Scolari”.

Justiça seja feita. Ao contrário de outras Copas, não tínhamos grandes jogadores fora da seleção “arrebentando” em seus clubes, mas se os intocáveis de Felipão não estavam bem, havia tempo para experimentar, para tentar encaixar dois ou três calejados no grupo. Entre ter os experientes Kaká e Robinho, que estavam mais ou menos no Milan, ou ter Bernard (reserva do “poderoso” Shakhtar Donesk) e Jô (dispensa comentários), seria algum absurdo optar pelos dois primeiros? Parece que para o nosso técnico e para uma boa parte da imprensa esportiva sim, já que antes da competição quase ninguém atentou para a imaturidade do grupo. Acreditaram, ingenuamente, que, com os superpoderes motivacionais de Felipão, mais o fato de jogarmos em casa, venceríamos novamente.

Técnicos obsoletos

Quando a Copa se aproximava, alguns jornalistas começaram a desconfiar que algo não estava bem. Treinava-se pouco, não havia variações táticas e os que estavam jogando mal em seus clubes repetiram o desempenho na Granja Comary. Mesmo assim, foram raras as cobranças e quase sempre dos mesmos, taxados injustamente de torcerem contra. Nas coletivas, muitas perguntas ao comandante brasileiro beiravam o ridículo e, quando havia uma mais bem elaborada, era logo rechaçada com uma resposta supostamente engraçada de Felipão (pelo menos para vários repórteres que gargalhavam efusivamente).

A coisa começou a mudar de figura quando o Brasil venceu graças a uma bela ajuda do juiz na estreia. A partir daí, quase toda imprensa passou a ver os inúmeros problemas da seleção em campo. Se bem que uma parte dela, mais teimosa e derretida por Felipão, preferiu atribuir toda culpa à questão emocional dos jogadores e até à torcida: “Eles estão chorando demais e isso é por causa do hino”, afirmava um; “O fato de jogar em casa está pesando para os nossos jogadores”, cravava outro. Há aí uma contradição gritante, pois os mesmos que começaram a dizer isso, meses antes davam como certo que o hino à capela e a torcida brasileira seriam combustíveis importantíssimos para a conquista do título.

Em meio a muitos bons profissionais que acreditaram passivamente em Felipão e em suas excentricidades, houve quem se salvasse e discordasse dos métodos do técnico, mesmo após a conquista da Copa das Confederações e aí vale destacar o jornalista Mauro Cézar Pereira, da ESPN Brasil, que sempre fez questão de afirmar que o comandante da seleção junto com seu assistente, Carlos Alberto Parreira, eram técnicos obsoletos assim como a maioria dos “professores” que dirigem clubes no Brasil ganhando 400, 500, 600 mil, mas sem apresentarem novidade tática alguma.

Análises superficiais e otimistas

Felipão merece respeito por seu passado vitorioso, mas é inegável que está em decadência. Nos últimos anos, fracassou no comando do Chelsea, foi parar no desconhecido futebol do Uzbequistão e dirigiu o Palmeiras em boa parte da temporada que levou o time ao rebaixamento. Parreira já estava aposentado e antes disso vinha colecionando fiascos memoráveis, como o de ser demitido no meio de uma Copa (1998) e o de ser o primeiro técnico a não classificar um anfitrião para a segunda fase de um Mundial (2010). Com retrospectos como esses, os especialistas tinham que ter ficado com o pé muito mais atrás, não dá para se esquivar dessa falha.

Toda a imprensa esportiva agora está apontando minuciosamente as falhas cometidas por Felipão, mas, primeiro, aqueles que eram só elogios ao trabalho do comandante brasileiro antes do Mundial devem fazer uma autocrítica e reconhecerem que erraram feio nas análises superficiais e otimistas que fizeram, que se deixaram levar apenas pelo resultado de um torneio muito menos importante e com isso, passaram a acreditar que o caminho para o hexa seria fácil. Reconhecer um erro de avaliação não é demérito, ao contrário, é prova de ética e de respeito com aqueles que o acompanham. Aguardemos.

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Marcelo Jorge Moraes Rio é professor universitário e jornalista