Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Trabalho sério x discurso [na vida e no futebol]

Diante do vexatório 1 x 7 do jogo entre Brasil e Alemanha no último dia 8/7, usarei como ponto de partida o comentário do jornalista Gustavo Hofman, da ESPN Brasil, para levar a cabo uma pequena reflexão acerca do resultado da referida disputa: o comportamento do brasileiro enquanto nação e suas consequências. De acordo com Hofman, faltou trabalho prévio à Seleção brasileira, algo que sobrou na Seleção alemã. Novidade? Sim, do ponto de vista das análises que foram realizadas após o jogo; e não, se partirmos do pressuposto de que, para vencer competições [e na vida de um modo geral] de maneira lícita são necessários preparo e determinação.

O comentário do jornalista – e “apaixonado por futebol”, como se classifica em seu blog – foi, a meu ver, o mais lúcido, inteligente e objetivo de todos os demais que consegui acompanhar através de variados canais de televisão, jornais impressos e digitais, além de blogs. Isto porque, diferentemente da alemã, a equipe brasileira estava muito mais concentrada em aparecer com namoradas, familiares etc em suas folgas [no plural mesmo] do que em se preparar para ganhar o Mundial.

A mídia deu, como sempre, uma mãozinha nessa espetacularização. Aliás, a espetacularização midiática exacerbada dos futebolistas brasileiros não é de hoje. Basta lembrarmos Ronaldo “Fenômeno”, Alexandre Pato e recentemente Neymar [só para citar três, porque a lista é imensa], sobretudo com relação aos seus vínculos amorosos. Chega a causar repulsa. Do mesmo modo, a espetacularização em relação às performances dos craques, muitas vezes, chegam a beirar o ridículo, como o comentário de certo apresentador da Band, após o anúncio da contratação de Neymar pelo Barcelona, segundo o qual o craque brasileiro iria ensinar o craque Lionel Messi a jogar futebol.

É lógico que isso acaba interferindo no processo de desempenho dos atletas, que, devido a essa idolatria e ampla exposição midiática, deixam, muitas vezes, de se concentrar no principal, que é aprimorar suas habilidades técnicas para jogar um futebol cada vez melhor. Aliada a essa questão, há, também – e eu diria sobretudo –, uma característica brasileira [e talvez latino-americana] de festejar antes da hora; de apresentar certa arrogância antes de concretizar as coisas.

Propaganda e arrogância

No futebol, durante esta Copa do Mundo, por exemplo, mesmo vencendo com placares pífios, a euforia tomou conta das pessoas, como se a Seleção brasileira já tivesse conquistado o título. Na vida política não é raro que governantes se vangloriem de resultados pífios, como a redução de certas mazelas sociais. Em vez de continuarem o trabalho para intensificar as conquistas, perdem tempo [e recursos] publicizando resultados parciais que não demonstram alterações significativas na vida do país. Como exemplo temos algo bem recente: o programa Mais Médicos, implementado logo após a eclosão das manifestações sociais de junho do ano passado. O referido programa – ainda no início e repleto de ajustes a serem feitos – até o momento não demonstrou uma redução significativa das mazelas no setor de saúde do país, mas o governo federal tem gastado com propaganda, o que revela a arrogância e a característica de festejar antes da hora. É claro que revela ainda mais coisas, como, por exemplo, a vontade de se projetar para as próximas eleições. Mas o objetivo desta reflexão é compreendermos como o Brasil [brasileiro no sentido mais amplo] não aprende a trabalhar antes e festejar depois, como fazem os alemães, por exemplo.

A Alemanha, após a II Guerra Mundial, em consequência dos delírios de Adolf Hitler, ficou arrasada. Pouco tempo depois foi transformada numa das maiores potências mundiais: apresenta elevadíssimo índice de educação dos seus cidadãos e cidadãs (a educação infantil é ofertada para todas as crianças entre três e seis anos de idade); a produção industrial é uma das maiores do mundo; apesar de ter grandes indústrias automobilísticas, o país possui um sistema de transporte público invejável; a população alemã está 100% beneficiada com saneamento básico; a classe trabalhadora tem jornada de 38 horas semanais e luta para chegar a 36. É claro que outros fatores também desempenharam papéis fundamentais em todas essas conquistas. Mas, sem dúvida, preparo, aliado a trabalho sério, disciplina, foco e determinação foram também fundamentais.

Mais trabalho sério

Em contrapartida, o Brasil, que não viveu os horrores de uma guerra, ocupa, por exemplo, a 112ª posição mundial no que se refere a um setor fundamental à dignidade de qualquer população: saneamento básico. No Brasil, apesar de se trabalhar muito, falta-nos foco. São 40, 44 horas de trabalho semanais, mas ainda continuamos agroexportadores; nossa carteira de exportação se restringe quase exclusivamente a commodities (temos como exemplos petróleo bruto, soja, ferro, café). Somos o 5º maior produtor de cacau, mas não produzimos bons chocolates. O município de Ilhéus, no Sul da Bahia, por exemplo, viveu momentos áureos por conta da produção desta commodity; no entanto, não houve investimento local, mas soberba; e o resultado é um verdadeiro desastre, vivendo do saudosismo da glória cacaueira.

E tudo isso por quê? Porque, entre outras questões, não resolvemos [e infelizmente não damos sinais de que queremos resolver] nossa crise no setor de educação, por exemplo. Um povo educado e bem instruído transforma-se em capaz de solucionar os problemas; aprende com os próprios erros; prepara-se para os desafios. Mas, em vez de investir em um forte e bem estruturado sistema educacional, os governos federal, estaduais e municipais gastam cifras bilionárias com propagandas que anunciam a melhoria na qualidade da educação, sem que isso de fato ocorra, porque quando são medidos os indicadores referentes à capacidade cognitiva e sucesso escolar o Brasil mostra que está longe de alcançar o ideal; além disso, ocupamos o 8º lugar mundial entre as nações com maior número de adultos analfabetos. Isso explica a nossa dificuldade em produzir bens elaborados e sair do ramo das commodities. Poderíamos citar inúmeros exemplos, mas este espaço não é oportuno.

E poderíamos afirmar que o mesmo acontece com o futebol. Não nos preparamos. Ao contrário, vivemos da soberba: “somos o único país pentacampeão”; “somos o país do futebol” (no Mundial de 2010, o jornalista Juca Kfouri apresentou estudosegundo o qual o Brasil não é o país do futebol!); “Neymar vai ensinar Messi a jogar futebol”; “fizemos a Copa das Copas”. Mas, apesar disso, fomos eliminados da disputa pelo título. Porque a soberba falou mais alto do que o trabalho, do que a preparação, como afirmou o jornalista Gustavo Hofman, da ESPN Brasil, logo após a partida na qual a seleção alemã derrotou o time brasileiro com uma goleada histórica [e merecida, por conta da qualidade da equipe germânica]. Conforme Hofman, os alemães se prepararam e tiveram apenas uma folga porque estão focados na Copa.

Quanto a nós, não apenas nesta Copa como em nossa vida enquanto nação, vivemos dos festejos e esquecemo-nos de nos preparar. Diante disso, fica a lição [para quem quiser aprender]: menos discursos, menos festas, mais foco e mais trabalho sério. Assim se faz uma nação forte; assim se constrói, também, uma seleção de futebol forte, como está fazendo a Alemanha [mesmo adorando “encher a cara” de cerveja].

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Verbena Córdula Almeida é doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madrid e professora adjunta do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus, BA