Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Falou-se pouco ou é impressão?

Há exatamente uma semana, neste mesmo horário de uma segunda à noite, muitos comemoravam em São Paulo a aprovação do novo Plano Diretor da cidade. Mas eu, que sou paulistano por opção há pouco menos de dois anos, fiquei com a impressão de que a notícia ecoou pouco, menos do que deveria, diante da importância do documento para o futuro da cidade.

Diante do texto aprovado, o vereador Nabil Boduki, relator do texto na Câmara, lembrou que o novo PDE não exime São Paulo da culpa históricaque tem com alguns setores da sociedade e até da dívida que tem com o meio natural, que já está completamente modificada, mas afirma que o PDE “demonstra que a especulação imobiliária não é invencível”.

Sobre este assunto, Mariana Barros, do blog Cidades Sem Fronteiras, traz aquiuma observação bastante pertinente: “Uma das principais mudanças trazidas pelo documento é o incentivo à construção de edifícios nos eixos de transporte público. Esses prédios poderão ter uma altura maior do que os erguidos no miolo dos bairros e, com mais unidades à venda, sua construção se pagará mais facilmente. A oferta de vagas de garagem, item que encarece os empreendimentos, ficará a cargo das incorporadoras, que podem optar pelo que for mais vantajoso do ponto de vista do mercado. Outro fator favorável a esses edifícios é que será possível contar com pontos comerciais no térreo, o que deve contribuir para diminuir as taxas de condomínio pagas pelos demais moradores. O mecanismo tem o mérito de incentivar o uso do transporte público, reduzir a dependência do carro e aumentar a oferta de moradia onde já há infraestrutura. Em teoria, tudo certo. Na prática, porém, há alguns obstáculos para que a medida alcance o sucesso esperado.”

Deixa um péssimo exemplo

A construção de edifícios nos eixos de transporte, como cita Mariana, é diferente de um simples convite a um aumento no número de espigões na cidade: o objetivo é tornar as áreas com maior oferta de transporte público mais densas, diminuindo assim boa parte dos problemas que envolvem mobilidade. Em um texto publicado noBrasil Post, Natália Garcia explica melhor a questão:

“Espigão é uma palavra que pegou como sinônimo de prédio muito alto. Talvez seja uma metáfora botânica: espiga (de milho, trigo, cevada, centeio) é um tipo de inflorescência (flores que crescem acumuladas em torno de um eixo) verticalizada. Uma paisagem de espigas é tão padronizada quanto infértil. (…) Encorajar espigões não é exatamente uma diretriz do Plano Diretor Estratégico de São Paulo. Na verdade, a função de um plano diretor é aproximar as pessoas das oportunidades (empregos, escolas, hospitais, mercados, áreas de lazer, transporte público etc.). Essa aproximação precisa ser feita em duas frentes – levar oportunidades até onde as pessoas moram e levar pessoas para morar perto das oportunidades – até que o jogo de viver na cidade se equilibre.”

Diante de um Plano Diretor que busca para os próximos 16 anos uma cidade com espaço urbano mais democrático e que contou com a pontuação das moradas populares no texto e a participação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto em várias das votações na Câmara, entristece ler em um veículo do porte do Estadãoa simplória diminuição da participação de um agente da cidade a uma ação que “ganhou no grito”:

O MTST impôs sua vontade à força – por meio de manifestações quase diárias, que culminaram com o cerco do edifício da Câmara – e conseguiu que quatro áreas por ele ocupadas fossem consideradas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) pelo Plano. Uma quinta, a Copa do Povo, recebeu o mesmo tratamento em projeto separado, mas aprovado ao mesmo tempo por “exigência” do seu coordenador, Guilherme Boulos, à qual se curvaram vergonhosamente a maioria dos vereadores e o prefeito Fernando Haddad. Ao contrário do que afirma o prefeito, isso abre a porta para novas invasões, que vão continuar desorganizando os planos habitacionais. Como já abriu a porta também para que outros grupos regularizassem igrejas evangélicas na periferia. O que tem tudo isso a ver com o Plano Diretor? Nada, mas deixa um péssimo exemplo de que “no grito” tudo é possível.

Não deixar o assunto morrer

Deixados claros dois pontos que serão base para o urbanismo paulistano nos próximos 16 anos – a questão da mobilidade e uma política que leva em consideração também o popular – a urbanista Raquel Rolnik reforça o papel dos movimentos populares neste texto noBrasil Post:(…) Estes avanços só aconteceram porque os movimentos importantes da sociedade civil também aconteceram. Movimentos no campo da mobilidade, no qual eu incluo não apenas o MPL, mas também toda a questão levantada pelos cicloativistas e também os movimentos em relação à moradia e esta luta histórica pelo direito à cidade de São Paulo.”

Deixados claros os principais assuntos que regem o novo PDE, o relator do texto, o já citado Nabil Boduki respondeu em uma entrevista para a Folha de S.Paulono último domingo: o plano de fato pode sair do papel? “Se a prefeitura estiver realmente empenhada ao longo das próximas quatro gestões, há uma chance significativa. E precisamos manter um padrão de relação com o mercado para que os objetivos da cidade fiquem acima de objetivos econômicos, colocados por empreiteiras, empresas de ônibus, de lixo.”

Na mesma entrevista, Nabil explicou quais são os próximos passos a serem tornados pelo poder público para tirar do papel o PDE: “Em primeiro lugar, precisamos ter uma Lei de Uso e Ocupação do Solo que responda às diretrizes do plano. Em segundo, a prefeitura precisa implementar as ações, como corredores de ônibus, habitação e parques.”

Para finalizar esse grande compilado de opiniões e links, deixo um trecho da coluna de Luis Francisco Carvalho, na mesma Folha de S.Paulo, que resume bem a que deveria ser resumido este papo todo:

“A aparência de São Paulo é horrorosa e poderia ser diferente. A beleza, sim, é valor democrático. A chave da recuperação estética da cidade passa por atitudes singelas e drásticas. Habitações populares podem não ser áridas. Obrigar o enterramento de fios. Aumentar calçadas, reduzir locais de estacionamento, desalojar postos de gasolina, multar mais, muito mais: transformar a vida de quem se locomove com o próprio carro em um saudável inferno.”

O importante, é claro, é não deixar nunca o assunto morrer.

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Cauê Marques, do Brasil Post