Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os altos lucros dos maus hábitos

O comentário da jornalista Roxana Tabakman na edição nº 285 deste Observatório [ver remissão abaixo] aborda parte do problema que é a participação da mídia no mercado de ilusões de saúde e promoção do consumo e do lucro. Como nossa imprensa segue a linha americana, copiando matérias, é de se esperar que os males que atingem o povo (american way of life) de lá em questão de tempo sejam epidemias aqui.

O governo tem posicionamento duplo em relação ao fumo e às bebidas alcoólicas. Enquanto o Ministério da Saúde tenta inibir principalmente o fumo (o álcool nem tanto, apesar dos danos maiores à e à sociedade), que custa milhões de reais de gastos anuais em internação, exames e remédios, a equipe econômica fomenta este negócio para aumentar a arrecadação. Sócio majoritário dos lucros do tabagismo e do alcoolismo, o governo os protege. Arrecada impostos fomentando doenças e sofrimento. E corre atrás do dinheiro para custear o tratamento dos danos por eles causados à saúde. Culpamos os pacientes pelos maus hábitos, mas esquecemos que nada é casual.

A revista Veja de 17/6/2003 abordou a estatina, nova esperança no combate às doenças cardíacas por sua eficácia na queda do colesterol. Já é a droga mais vendida no mundo. Está também sendo usada contra diabetes, angina, osteoporose, inflamações, Alzheimer, câncer de mama e próstata. Sem entrar no mérito da estatina como arma terapêutica, certamente não é a solução para a má alimentação e a inversão de valores da sociedade de consumo. Vive-se para comer, não se come para viver melhor. A alimentação passou a ser um produto comercial, que foge de sua função natural. Seu consumo é estimulado a toda hora pela mídia para quem tem poder aquisitivo e, portanto, já está alimentado. Então, inventam-se guloseimas para um consumo cada vez maior, para que o lucro se faça presente nos negócios de alimentação.

Bom para a indústria

A comida perde suas principais qualidades e funções para ser vendida por seus atrativos visuais, gustativos, táteis, para que se consuma mesmo sem necessitar. As gorduras dos são de má qualidade, visando otimizar o lucro com produtos de preços mais baixos. Não são alimentos balanceados para uma alimentação saudável. Mas visam principalmente a quebra da resistência do consumidor, induzido à ingestão maior. E como a concorrência existe, a briga é para cada vez se comer mais.

Os resultados já são considerados alarmantes, com epidemias de obesidade, hipertensão, cardiopatia e diabetes – excesso de alimentação de alguns, fome de outros, que não participam da festa por falta de poder aquisitivo.

A solução destes problemas pela via medicamentosa, como adverte a jornalista, é a pior possível. É tentar remediar um mal com outro. Não serão os medicamentos que solucionarão os problemas advindos do tabagismo, do alcoolismo, do excesso de comida. Aumentar gastos com exames, medicamentos de prevenção e recuperação, tratamentos crônicos, hospitalizações e cirurgias corretivas é a pior saída para uma questão simples, de causa totalmente conhecida, mas de difícil enfrentamento, pois as indústrias apostam todas as suas fichas neste estado de coisas, e a mídia participa desse mercado de encantamento lucrando sua parcela na promoção da venda. Associa-se ao problema a indústria de alimentos de baixa caloria, para que se coma maior volume com menor efeito no ganho de peso, criando ao mesmo tempo dependência do hábito de comer demais.

É uma atitude tola medicar os maus hábitos, pois se desperdiçam recursos que poderiam ser aplicados em áreas mais úteis. O New York Times de 13 de julho anunciou a necessidade de se prescreverem estatinas para níveis mais baixos de colesterol! (ou seja, aumentar as vendas). Tratar pessoas para que possam manter a ingestão excessiva é uma distorção absurda. Passar a vida comendo para dar lucro à indústria de alimentos insalubres, para depois acabar a vida tomando remédios só é bom para a indústria. Inclusive a midiática.

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Médico, Porto Alegre