Sim, há muitas explicações. Nenhuma delas suficiente, tampouco convincente. Darão boa ou má literatura, inesgotável assunto para mesas de bar e mesas-redondas de futebol na TV. Páginas e páginas serão escritas, milhões de comentários nas redes sociais. Os mais exaltados xingarão o técnico, os jogadores, o país onde vivem. Haverá oportunistas, como sempre. E também mal-educados. Não faltarão os que sempre irão se curvar diante da “superioridade europeia”, resquícios de um passado de nação colonizada que, gradativamente, parece perder sua força. Mas é possível identificar também muitos brasileiros sensatos, que amam seu país, capazes de separar vida e jogo, política e esporte, virtudes e defeitos de uma nação.
Nelson Rodrigues, o escritor que melhor traduziu o que pode acontecer dentro de um campo de futebol, criou o personagem Sobrenatural de Almeida, um fantasma que seria responsável por gols improváveis, normalmente contra o seu adorado Fluminense. É dele também a crítica aos “idiotas da objetividade”, aqueles que tentam explicar pela razão o que pertence ao imponderável. Os gregos sabiam que há no mundo lugar para a tragédia. Haveria algo que estaria acima da vontade dos seres humanos porque dependeria dos humores dos deuses. Nelson Rodrigues, não por acaso um dramaturgo, expressou muito bem: “O que procuramos no futebol é o drama, é a tragédia, é o horror, é a compaixão. A bola é um reles, um ínfimo, um ridículo detalhe.”
Há os que se agarram às explicações esportivas. Se o treinador fosse outro, se o esquema tático fosse diferente, se houvesse mais treinos, se a escalação fosse mais prudente, se outros jogadores estivessem entre os convocados, se o Neymar e o Thiago Silva pudessem jogar, se houvesse menos oba-oba, se, se, se…
Há pequenas e grandes tragédias
Há outros que preferem adentrar searas mais “científicas”, uma espécie de “sociologia do futebol”. Perdemos porque não somos um país decente, porque há corrupção, porque somos desorganizados, porque preferimos a improvisação e a malandragem ao estudo, à disciplina, à qualificação, porque falta educação, falta saúde, falta um país…
Tudo simples. Mas não explicam como, sendo tudo isso que nós somos – e queremos ser melhores! –, somos os maiores vencedores, com cinco títulos mundiais em 20 disputados ao longo de 84 anos. Não explicam por que a toda poderosa Alemanha, que ganhou de fáceis 7 a 1 do pentacampeão Brasil, havia empatado com Gana e penado para ganhar da Argélia na prorrogação.
Sim, nosso time atual parece não ser dos melhores, ou não teve a sorte que bafeja os campeões. Mas o que dizer, então, de potências como Itália, Espanha, Portugal e Inglaterra, que saíram logo na primeira fase? A Bélgica iria ser a sensação dessa Copa. Não foi. Houve candidatos que surpreenderam, mas ficaram todos pelo caminho. Já fomos campeões do mundo com um time apenas razoável, em 1994. Já perdemos Copas com timaços, em 1950 e 1982.
Talvez seja justamente isso que faz do futebol um esporte fascinante, uma paixão. Porque não cabe nos manuais. Nem esportivos e muito menos “sociológicos”. Ou a organizada Alemanha teria mais títulos do que o Brasil. E campeões mundiais como França e Espanha não passariam pelo vexame de cair fora já na primeira fase, logo depois de conquistarem a primeira Copa, como aconteceu em 2002 e 2014, respectivamente. Há pequenas e grandes tragédias esportivas, para todos os gostos.
O mundo, apesar dos esforços de cientistas, filósofos e teólogos, é cheio de mistérios. O futebol, às vezes, é só mais um deles.
******
Celso Vicenzi é jornalista