A estratégia do governo chavista na Venezuela para sufocar os veículos de comunicação independentes fez mais uma vítima. O jornal El Universal, um dos mais antigos do país, que vinha enfrentando sérios problemas para se manter em circulação, foi vendido a um obscuro investidor da Espanha. O mistério que cercou o negócio ajuda a consolidar a versão segundo a qual o comprador seria apenas um testa de ferro do governo, cujo objetivo é transformar um dos mais combativos jornais da Venezuela em serviçal do presidente Nicolás Maduro.
O estrangulamento das empresas de mídia críticas ao chavismo já fechou diversos jornais, limitou a circulação de vários outros, fechou a principal TV do país, a RCTV, e colocou sob domínio chavista a Globovisión, depois que o dono da emissora foi preso. No caso dos diários, o constrangimento imediato é a falta de papel de imprensa, em razão da dificuldade de importação. O governo não libera os dólares para realizar a compra, sob o argumento de que precisa controlar a saída da moeda. A restrição não diz respeito apenas à compra de insumos para as empresas jornalísticas, mas o fato é que tal limitação tem sido muito conveniente para o governo, que assim pode calar seus opositores sem ter de lançar mão dos mecanismos característicos de uma ditadura, como a censura prévia.
O jornal El Universal, com 105 anos de existência, vinha agonizando como resultado dessa manobra. Recentemente, passou a circular com apenas dois cadernos de oito páginas cada um. A venda era questão de tempo.
A empresa que oficialmente adquiriu o controle do jornal, no mês passado, é a espanhola Epalisticia. A firma começou a operar há cerca de um ano, em Madri, e aparece nos registros locais com um capital social de apenas 3.500 euros – apesar de dizer que dispõe de US$ 1 bilhão para investir. Com apenas um sócio – uma pequena empresa no Panamá –, ela foi aberta para atuar no setor imobiliário e de construção. Um mês depois, mudou sua área para investimento em meios de comunicação, especialmente na América Latina. Conforme constatou o New York Times, o website da Epalisticia foi criado há apenas algumas semanas, e nenhum telefone ou endereço de e-mail que lá aparece funciona.
“A censura acabou”
O mesmo mistério cercou a compra de outra importante companhia, a Cadena Capriles, que edita o Últimas Noticias, jornal de maior circulação da Venezuela e que dava amplo espaço para a oposição. O grupo foi adquirido no ano passado por uma certa Latam Media, propriedade de uma empresa inglesa de investimentos chamada Hanson Group e que foi registrada em Curaçau em 2013. A primeira providência dos novos donos foi estreitar relações comerciais com o Grupo Financeiro BOD, pertencente ao banqueiro Víctor Vargas, que multiplicou sua fortuna no governo do caudilho Hugo Chávez.
Na redação do Últimas Noticias, ninguém se ilude sobre quem realmente manda no jornal. Em fevereiro passado, os jornalistas divulgaram um manifesto em que expressaram sua inconformidade com a linha editorial deslavadamente governista imposta pelos novos donos, “que nem sequer tiveram a coragem de se apresentar diante de seus trabalhadores”.
No El Universal, o editor-chefe, Elides Rojas, disse acreditar que os novos donos são “testas de ferro conectados com gente amiga do governo”. Ele resolveu aceitar o convite para permanecer na direção, para “dar um voto de confiança”, mas em texto publicado no site do jornal disse que “os fatos ocorridos na Globovisión e na Cadena Capriles não serão aceitos sob nenhuma circunstância”.
O empresário Jesús Abreu, designado para presidir El Universal, negou que o governo tenha algo a ver com o negócio e disse que o jornal será crítico “de tudo o que deve ser criticado”. Pode-se acreditar em suas palavras assim como nas do diretor do jornal governista Últimas Noticias, Eleazar Díaz Rangel, segundo quem “a censura e outras formas de repressão à imprensa acabaram na Venezuela desde que Chávez se tornou presidente”.