As redes sociais inauguraram um período de grande aproximação entre consumidores e empresas. Essa relação, porém, nem sempre é amistosa. Se, por um lado, fornecedores de produtos e serviços conseguem identificar hábitos e gostos de consumidores que seguem suas páginas virtuais, clientes insatisfeitos postam textos, fotos e vídeos na web para legitimar suas queixas. E muitas empresas têm corrido para solucionar os problemas e evitar que tais reclamações se tornem virais, causando prejuízo maior à marca. Algumas, no entanto, estão reagindo de forma mais radical, indo à Justiça quando consideram que a divulgação da queixa foi exagerada e prejudicou sua imagem.
José Luiz Gobbi, consultor de comunicação motivacional, está sendo processado pelos proprietários da loja de presentes Crystal Golden, de Vitória (ES), após reclamar do mau atendimento em uma página no Facebook. Já em Brasília, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) condenou, pela primeira vez, um consumidor a indenizar uma empresa por reclamação postada na internet. Ele se queixara nas redes sociais do conteúdo aplicado por um curso profissionalizante e como resultado terá que pagar à escola R$ 9 mil.
Casos assim têm chamado a atenção de especialistas em defesa do consumidor, uma vez que, tradicionalmente, a lei protege o cliente, considerado a parte mais vulnerável da relação de consumo. Mas limites têm de ser observados, dizem. Eles destacam que, nesses novos tempos, em que a informação – seja ela verdadeira ou falsa – alcança milhões de pessoas em segundos, a atenção deve ser redobrada.
– Antes de postar, é preciso procurar uma solução amigável com o fornecedor, registrar a queixa em algum canal de atendimento da empresa. Além disso, é importante ter cuidado com os termos usados e a veracidade dos fatos – orienta Bruno Bóris, advogado de empresas que já processaram clientes. – A maioria das empresas que representei desistiu das ações de indenização por dano moral porque os consumidores concordaram em retirar as queixas da internet.
Já os donos da Crystal Golden e o ex-cliente Gobbi ainda não chegaram a um acordo. Segundo o advogado Rodrigo Marangoni, a empresa desistiu do processo criminal por calúnia e difamação, mas mantém a ação civil por uma retratação pública
– O que essas pessoas estão dizendo não aconteceu. Tenho sido procurado por outras lojas que também estão sendo vítimas dessas situações – argumenta Marangoni.
Uma funcionária da loja foi mais enfática:
– Os clientes estão muito mal acostumados, acham que podem tudo. O lojista cansou.
O assunto foi parar no Juizado Especial Cível da Comarca de Vitória, no fim do ano passado, depois que uma consumidora procurou a loja para trocar um produto e, em seguida, escreveu um comentário no Facebook dizendo que teria esperado tempo demais para ser atendida. O post recebeu várias “curtidas” e foi compartilhado centenas de vezes.
– A única coisa que fiz foi contar o meu caso nos comentários desse post. Comprei dois copos para uísque por R$ 300 e, quando abri, um deles estava com um pequeno defeito. A loja negou a troca. Foi só isso que escrevi – afirma Gobbi, que está sendo processado junto com outros clientes da loja.
Há situações, contudo, em que o consumidor insatisfeito exagera, seja ao escrever sua crítica ou exigindo algo a que não tem direito. A advogada Rita de Cássia Gastaldi, que representa o ex-aluno de um curso profissionalizante em Brasília, reconhece que “houve imoderação” no modo como seu cliente, que não quer ser identificado, se manifestou contra a empresa em um site de reclamações.
Após concluir o curso e receber o certificado, ele considerou que a grade de horários e o conteúdo não estavam de acordo com o que havia sido anunciado. Ele foi à escola tentar receber o dinheiro pago. Como a instituição negou a restituição, o ex-aluno registrou queixa no Procon e passou a dar referências ruins sobre o curso em vários sites de avaliação.
A juíza responsável pelo caso acolheu a solicitação da instituição de ensino, considerando que o consumidor não registrou qualquer reclamação durante a realização do curso. O consumidor foi obrigado a retirar o texto com a queixa da web e terá de indenizar a escola em R$ 9 mil. O caso foi levado até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que confirmou a decisão do TJ. O pagamento da indenização deverá ser feito nas próximas semanas.
– Quem utiliza os meios eletrônicos deve ser cauteloso, pois o que escrever ficará registrado e vai tipificar a conduta ilegal – diz a advogada Rita de Cássia, que defendeu o consumidor neste caso.
Processar um cliente pode ser ‘tiro no pé’
As redes sociais estão, de certo modo, substituindo o atendimento pós-venda que não recebe grandes investimentos por parte das empresas, na avaliação de Andrea Sanchez, diretora de Programas Especiais do Procon-SP. Ela ressalta, porém, que a utilização não deve ser banalizada:
– As pessoas precisam buscar informação correta sobre seus direitos nos órgãos de defesa do consumidor. E não podem extrapolar ao usar esse canal, que é muito positivo, inclusive para o mercado.
Klaus Rabello, professor de comunicação digital da ESPM-RJ, lembra que o uso de redes sociais é recente na vida dos consumidores brasileiros e aposta no que chama de acomodação de forças. Segundo ele, as empresas precisam considerar se vale a pena ir à Justiça contra um consumidor.
– As empresas já foram muito fortes, agora há uma disputa de poder. Mas uma marca que processa um cliente pode dar um “tiro no pé”. É muito melhor passar a ter preocupação genuína com o bem-estar dos clientes, isso é o que gera valor.
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Luiza Xavier, do Globo