Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma verdade conveniente

Em qualquer ciência, especialmente nas humanidades, as teorias costumam ser usadas não para explicar determinados fenômenos, mas para justificá-los. Tem sido assim na comunicação social em vários aspectos, mas de forma estupidamente irresponsável na questão da imparcialidade jornalística – desde quando alguém, muito provavelmente por pura conveniência mercadológica, demonizou o termo e abriu as porteiras da imprensa a toda sorte de promiscuidade ideológica devidamente legitimada pelo truísmo de que não é possível ser imparcial no jornalismo. OK, não é, mas a incapacidade quase semântica de se dizer algo sem denunciar alguma preferência pessoal deveria nos tornar mais cuidadosos com as palavras, não nos permitir falar apenas o que convém.

Com a proximidade das eleições, os jornais começam a publicar seus editoriais de apoio a candidaturas, travestindo de transparência o fisiologismo que se apossou do jornalismo faz tempo e que é parte da imprensa nacional desde sua fundação. Assim, jornalistas e leitores transformam a imprensa numa extensão dos palanques com preocupante naturalidade, como se fosse da natureza do jornalismo servir a interesses particulares, sob o pretexto de que o partidarismo político serve a um bem comum.

A política, sim, é de interesse público – e não traria prejuízo algum ao bom jornalismo que a imprensa tornasse públicas suas preferências políticas. Mas nunca partidárias. Dessa forma, seria razoável que, por exemplo, CartaCapital declarasse em seu editorial total apoio às políticas alinhadas ao PT, mas jamais a Dilma Rousseff, assim como a Veja poderia dizer com todas as letras que defende o liberalismo sem declarar o voto em Aécio Neves. Do contrário, assume-se um compromisso com o político, não com a política, comprometendo o papel do jornalismo na vigilância da gestão pública. “Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”, dizia Millôr Fernandes.

Não é que a imparcialidade estrita não possa existir – nós simplesmente não podemos alcançá-la. O problema é nosso, não dela – que, a exemplo da utopia de Galeano, está sempre um passo à frente das nossas tentativas de aproximação. O jornalismo precisa caminhar ao encontro da imparcialidade não para alcançá-la, mas para não deixar de caminhar.

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Diego Freire é jornalista