A cúria do Rio de Janeiro censurou o episódio que dirigi para o filme Rio, I Love You. Ao fazê-lo, levantou três questões. A primeira se relaciona com a liberdade de expressão. Será que a Igreja Católica superou seu violento passado de perseguição a cientistas e artistas que discordam dos seus dogmas?
Há também uma questão ética, relativa ao método de censura adotado. Será que a Igreja Católica pode utilizar a imagem do Cristo Redentor para fazer bullying com produtores culturais?
Finalmente, colocou ainda uma questão jurídica. Será que faz sentido a lei permitir que uma organização religiosa controle a imagem de um monumento que se situa em um local proeminente na paisagem do Rio de Janeiro e que é considerado um símbolo da cidade?
O meu curta conta a história de um piloto de asa delta que, acometido por uma enorme dor de cotovelo, perde a cabeça e voa até o Cristo Redentor para reclamar das suas mazelas amorosas e da cidade onde vive. Ao chegar, diz ao Redentor que o Rio continua lindo quando visto de cima, mas que de perto está muito violento. Reclama da baixa qualidade das escolas e das inundações. Na falta de uma resposta, diz à estátua que vai se mudar, dá uma banana a ela e, cinicamente, deseja a todos nós uma boa Olimpíada – mergulhando em direção à Lagoa.
Cobrar pelo uso
Pergunto: se isso é motivo para censura religiosa, o que dizer de O Guardador de Rebanhos, de Fernando Pessoa, do Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, de O Anticristo, de Friedrich Nietzsche, de Partido Alto, de Chico Buarque, ou mesmo de alguns vídeos do Porta dos Fundos? O meu curta é muito menos agressivo do que muitas obras que não estão censuradas. Por isso, a posição que a cúria adotou sugere que a Igreja Católica só não censura mais porque não pode. Uma pena.
Isso nos leva à segunda questão: a do método. Acreditando poder utilizar seu suposto direito sobre a imagem do Cristo Redentor para fazer censura, a cúria ameaçou os produtores de Rio, I Love You: se o filme incluir meu curta, eles poderão ser processados. Como a cúria sabe que basta uma liminar, mesmo que injusta, para inviabilizar economicamente a carreira de um filme, fica claro que ela está disposta a usar a imagem do Cristo para fazer chantagem. Não sei o que diz a lei, mas, do ponto de vista da ética, trata-se de uma posição no mínimo questionável.
Aceitar que qualquer filmagem, fotografia ou representação gráfica do Cristo Redentor precise de autorização da cúria é dar à Igreja Católica o controle sobre a imagem de boa parte da paisagem carioca. Qualquer tomada aérea acima do Sumaré que enfoque a Lagoa ou a baía de Guanabara mostra o Cristo.
O Brasil é um país laico. Se a estátua do Cristo Redentor deve ser entendida como um objeto religioso privado, que não pode ser reproduzido livremente por todos nós, então imagino que ela deva ser tratada como um outdoor, uma propaganda de uma organização religiosa. Neste caso, talvez o Rio devesse cobrar pelo uso comercial do seu espaço…
De minha parte, gostava mais do Cristo Redentor quando ele era a sétima maravilha do mundo, um símbolo da cidade do Rio – um símbolo que pertencia a todos e a ninguém.
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José Padilha é cineasta, diretor de Ônibus 174, Tropa de Elite e Tropa de Elite 2