Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como virar ‘memis’

Antônio Carlos Bernardo Gomes, o Mussum dos Trapalhões, morreu em 1994, mesmo ano em que foi criada a Netscape, empresa que inventou o navegador responsável por tornar a web um sucesso mundial. Naquela época, nem havia ainda internet comercial no Brasil. Só no ano seguinte começou o movimento que levou à criação de provedores de acesso por todo o País.

Apesar disso, Mussum se tornou um sucesso da internet brasileira. O último capítulo de sua recém-lançada biografia Mussum forévis: samba, mé e Trapalhões (LeY a), escrita pelo jornalista Juliano Barreto, mostra como isso aconteceu. Centenas de fãs se apropriaram de sua imagem e de suas frases, e criaram novos contextos para fazer piada no estilo do comediante. Mussum virou “memis”.

Memes são ideias que se espalham de pessoa a pessoa e ganham popularidade. Como destacou Barreto, o termo foi tirado do livro O gene egoísta, do biólogo Richard Dawkins. Meme é o equivalente cultural do gene, que se autorreplica, sofre mutações e reage às pressões seletivas do ambiente.

Segundo o autor da biografia, o marco zero do sucesso do comediante na rede foi a publicação no YouTube do quadro Mussum armando uma pindureta, em novembro de 2006. No vídeo, Mussum tenta deixar para outro dia o pagamento de sua conta num bar.

Profissionais e amadores

É fácil as pessoas reproduzirem as piadas da cena em suas vidas. Muita gente viu o quadro e começou a usar “pindureta” como sinônimo de calote. Ou a chamar a garrafa de cerveja de “ampolis”, como faz Mussum. O vídeo teve mais de 3,4 milhões de visualizações. O perfil no Twitter @MussumAlive, criado por um fã, tem 109 mil seguidores. Nos 15 anos da morte do comediante, as pessoas publicaram frases no Twitter com a expressão #MussumDay, que passou o dia em primeiro lugar na lista mundial dos termos mais comentados do serviço.

Em 2009, quando o Rio foi escolhido para sediar a Olimpíada de 2016, o ilustrador Rodrigo Hashimoto criou uma nova versão para o pôster de campanha de Barack Obama. Ele substituiu a foto do presidente americano por uma do Mussum, e o slogan “Yes, we can” por “Yes, we créu” (numa referência ao funk “Dança do Créu”). O sucesso foi além da internet e o pôster virou até camiseta.

O escritor de tecnologia Clay Shirky disse, certa vez, que criar um LOLcat (piada com uma foto de gato e uma frase escrita em inglês errado) é melhor do que assistir ao melhor programa de televisão. Ele falou isso para valorizar o trabalho das pessoas comuns na rede. Mas não é bem assim.

Em tempos de internet, tem muito valor o conteúdo profissional que consegue virar matéria-prima de criação para amadores.

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Renato Cruz é colunista do Estado de S.Paulo