Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um Elio pouco conhecido

Durante o seu 9º Congresso Internacional em SP, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), uma das entidades mais respeitadas da nossa categoria, escolheu Elio Gaspari como jornalista do ano, possibilitando na entrega do prêmio esta semana [passada] a revelação, por ele mesmo e por outros, de aspectos pouco conhecidos da vida de um profissional que não dá entrevista, raramente fala em público e nunca em seus textos fez uso para si do pronome “eu”. Quem está acostumado com suas colunas, e principalmente com seus livros, onde a prosa atinge altos níveis de excelência estética, não o imagina como Kid Megalô, o apelido que se deu, defendendo a tese de que Copérnico criou a teoria do heliocentrismo não por causa do Sol, mas por causa dele, Elio, em torno do qual gira a Terra.

Esse número humorístico de megalomania não é o único. Quando se juntam nele a graça e a inconveniência, o resultado pode ser uma cena como a que ocorreu ao levar o então deputado Delfim Netto para jantar em sua casa. No elevador, encontraram uma moradora que, ao avistar o ex-ministro, não se conteve: “Ah, ministro, que saudades! Eu era feliz e não sabia.” Elio cortou: “A senhora está maluca? Esse homem infelicitou o país.” Delfim, que já conhecia o número, riu; a senhora emudeceu. Numa reunião de condomínio, o síndico quer proibir o uso do elevador social por uma empregada doméstica, alegando, não a cor, mas o fato de o lugar dela ser no de serviço. Elio perguntou: “Não é uma negra alta, bonitona?” “Exatamente”, foi a resposta”. “Mas ela é minha amante.” Não se falou mais no assunto.

Amizade pétrea

Dono de uma memória prodigiosa, se alguém lhe pergunta como sabe o que sabe, ele responde: “Eu não sei, eu me lembro.” Editor e diretor de várias redações, ele foi rigoroso e até autoritário, mas sem perder o humor. Diante da desculpa de um chefe do departamento fotográfico de que não podia cumprir a tarefa pedida porque não tinha fotógrafo disponível, ele disparou: “E por acaso estou diante de um vaso chinês?”

Nascido em Nápoles, na Itália, Kid Megalô veio com a mãe para o Brasil no pós-guerra, aos 5 anos. Pobre, passou parte da infância num internato em Mangaratiba, enquanto a mãe trabalhava. Aos 19, mudaram-se para a Lapa, onde moraram em quartos alugados, e ele comia num restaurante barato para estudantes. Com os amigos, Elio mantém uma relação que eles classificam de “lealdade mafiosa”, especialmente com os que pertenciam ao andar de baixo, à choldra e à patuleia, para usar expressões que consagrou. A viúva de um deles resume com uma frase histórias de desprendimento que incluem até a perda de um apartamento único por causa de um amigo. Ela diz: “O Elio não faz amizade, faz pacto de sangue.”

******

Zuenir Ventura é colunista do Globo