Eu tenho um filho de 7 anos. Nestas férias escolares, estamos enfrentando um desafio: convencê-lo a brincar de alguma coisa que não seja na frente de uma “telinha”.
Conforme elucida o Dr. Cristiano Nabuco, psicólogo que atua junto ao Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (FMUSP), a velocidade das informações do mundo atual gera um efeito de aceleração natural do cérebro das crianças digitais, o que faz com que todas as brincadeiras e brinquedos de antigamente pareçam mais “chatos”, devagar, se comparados a jogar um videogame ou mesmo navegar no YouTube.
Este frenesi pelo que vem depois, vivendo sempre o dia de amanhã e não o presente, fazendo quatro coisas ao mesmo tempo, multi-telas, faz com que grande parte do conteúdo ao qual a criança é exposta acabe não sendo absorvido, memorizado. É apenas uma distração de curto prazo.
No dia seguinte, é como se houvesse um grande vazio no cérebro para que ele possa ter espaço para receber mais e mais dados novos. A informação fica velha mais rapidamente e com ela estamos criando, perigosamente, uma geração intelectualmente mais superficial e rasa.
Como disse Bia Granja, co-criadora e curadora do youPIX e da Campus Party Brasil, “viramos a Geração ‘só a cabecinha’, um amontoado de pessoas que vivem com pressa, ansiosas demais pra se aprofundar nas coisas. Somos a geração que lê o título, comenta sobre ele, compartilha, mas não vai até o fim do texto. Não precisa, ninguém lê!”.
Mas se por um lado, nossos jovens estão assim “mais rápidos”, ter mais acesso à informação não quer dizer ter mais conhecimento. O último exige reflexão, experiência, vivência.
Por outro lado, estes mesmos jovens estão mais superprotegidos. É o que se pode concluir quando observamos o crescimento das iniciativas contra a publicidade infantil. Como se alguém que cada vez mais cedo navega muitas vezes sozinho na internet, com toda a liberdade e os riscos da interatividade, não pudesse aprender a discernir entre o desenho e o comercial.
Pronto para a vida
Qual o limite do saudável? A internet que o diga. Por que ainda estamos censurando a TV muito mais que a web? Chega a parecer bobo colocar horário para conteúdo na TV enquanto a internet não tem horário. Hoje, onde mais aparece publicidade adulta (inclusive de pornografia) são em inserções dentro dos jogos gratuitos que podem ser baixados ou jogados online e nos aplicativos.
De um lado, o controle é excessivo e do outro está completamente solto. Criamos uma “pseudo-proteção” para não nos sentirmos tão culpados? Do que? Do consumo? Do capitalismo? Ou das horas trabalhadas deixando crianças sozinhas com mouses e telas como babás?
Quem substitui “amor” por “compra de bens” por certo são os pais, os adultos, não as crianças.
A própria classificação indicativa de idade de brinquedos a meu ver já está ultrapassada. Quando vamos em uma loja com o filho, o brinquedo de 10 anos é o que o de 5 anos quer, e o de 5 anos é o que o de 2 anos quer. A criança de 5 anos de hoje prefere brincar com a moto do homem aranha ou com minecraft?
Já estamos na era dos aplicativos, que como o “My talking Tom”, aparentemente gratuitos, passam o tempo inteiro oferecendo para a criança comprar coisas do próprio jogo, no caso, uma “nova comidinha”, uma “nova roupinha”.
Todo e qualquer indivíduo da sociedade contemporânea precisa criar uma forte cultura de consumo consciente, e para isso precisa ser orientado para não realizar compras por impulso só porque viu um anúncio. Mas se eliminamos a propaganda, como educar? Como mostrar que não é porque tem uma coisa legal ali na TV que você já vai ter que ganhar ela agora. Que exige meritocracia e que tudo tem seu custo.
Nossos jovens ainda recebem uma formação escolar voltada mais para a prova do Vestibular e do ENEM, para competirem entre si em um funil educacional que dá acesso ao ensino superior a quem pode pagar mais pela formação de base.
Ao invés disso, deveríamos estar mais preocupados em formar indivíduos mais capacitados para tomar decisões, através de aulas de lógica, matemática financeira, criatividade, empreendedorismo, responsabilidade sócio-ambiental e também de consumo consciente.
Ícones da publicidade como “eu quero a minha Caloi” ou “compre Baton”, que antes eram usados como estímulo dos pais para os filhos estudarem mais, combinados como “se passar de ano você ganha a bicicleta”, são hoje considerados politicamente incorretos. E como diz o filósofo Luiz Felipe Pondé, e o que não é?
Tantas proibições nos tornam mais civilizados? Como saber se agiremos certo se tivermos a liberdade de escolha? Como diria Kant, “esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade”, onde “a menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem o direcionamento de outro indivíduo”.
O grande vilão não é a publicidade infantil, não é a TV, a propaganda. Claro que tudo em excesso faz mal, do açúcar à internet. Logo, o verdadeiro problema é a infantilização do comportamento através da superproteção.
Os brinquedos de antigamente faziam sim “cair e machucar”, e dali emergia um adulto pronto para a vida. Espero que não seja o enterro dos brinquedos. Quanto mais tentarmos colocar uma redoma de vidro, mais expostos estaremos todos no mundo digital.
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Patricia Peck Pinheiro é advogada especialista em cultura digital e inovação, autora de 14 livros sobre “Direito Digital”