Os leitores do New York Times foram saudados, no sábado [26/7], pela foto de um cadáver na primeira página. A imagem, feita por Maxim Zmeyev, da Reuters, era de uma vítima do desastre do voo MH17 e mostrava um par de pernas sob um plástico transparente, sobre o qual havia sido colocada uma rosa vermelha.
Embora o editor-executivo do jornal, Dean Baquet, tenha descrito a foto como “uma das mais belas imagens que já vi em muito tempo”, alguns leitores discordaram, classificando seu uso como “gratuito”.
Muitas discussões já se desenrolaram por conta da publicação de imagens consideradas fortes, mas o acidente com o voo MH17 na Ucrânia e os recentes bombardeios em Gaza parecem ter incitado um novo debate.
Realidade x sofrimento
“A dúvida entre publicar ou não imagens desse tipo é como caminhar na corda bamba”, diz Michelle Gunn, editora do jornal The Weekend Australian. “Você se equilibra entre a exigência de transmitir a realidade e a necessidade de não causar sofrimento desnecessário.”
O próprio Weekend Australian chegou a publicar uma foto digitalmente borrada do corpo de uma vítima do MH17 em sua capa, e recebeu cerca de uma dezena de reclamações por isto. Curiosamente, apenas algumas semanas antes, o jornal tinha publicado imagens do grupo jihadista ISIS executando dezenas de policiais iraquianos e não recebeu um e-mail sequer comentando o assunto.
Michelle acredita que as reações tenham relação com o princípio da proximidade. “Acho que o debate sobre a foto do acidente com o MH17 teve a ver com o fato de algumas das vítimas serem australianas”, pondera.
Nas redes sociais
O princípio da proximidade também se revelou fonte de incômodo no Twitter, o qual foi rapidamente bombardeado por fotos dos destroços do MH17. Muitos internautas reclamaram, argumentando que familiares das vítimas poderiam ver as imagens antes mesmo de receber informações oficiais sobre o desastre.
“A mídia social é ótima para fornecer informações da linha de frente (…), mas ninguém quer que membros de uma família vejam corpos de seus parentes por toda a internet antes mesmo de falarem com as autoridades”, diz Peter Jukes, jornalista britânico premiado por suas coberturas em mídias sociais. “Os órgãos de imprensa fazem essa triagem o tempo todo, mas as redes sociais ainda não.”
Julie Posetti, da Universidade de Jornalismo de Wollongong, na Austrália, e pesquisadora da Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias, diz que as plataformas de mídia social são o “Velho Oeste” das publicações. “Jornalistas e editores tradicionais já não são mais os guardiões da informação primária do discurso público; nem são capazes de impor seus padrões de publicação e ética profissional a usuários de mídias sociais e blogueiros.”
O Twitter explica que todo usuário tem a opção de configurar sua conta usando o botão “Marcar o conteúdo multimídia que eu tuitar como material que pode ser sensível ou impróprio” quando fizer upload de conteúdo que pode ser considerado inadequado, como nudez, violência ou de procedimentos médicos. Mas será que todos têm essa sensibilidade?
O editor-chefe de fotografia do diário britânico The Guardian, Roger Tooth, diz que, por mais que ele selecione o conteúdo do jornal, no final, está tudo na internet ou na linha do tempo de sua rede social; na postura de editor, ele diz que pode se responsabilizar apenas por seu veículo, “ajudando a manter a cobertura o mais humana e digna possível”.
Alerta ou convite?
Em artigo publicado no site do jornal na semana passada [23/7], Tooth aproveitou a discussão para explicar como o veículo seleciona as imagens que publica. Ele lembrou que não é apenas a violência gráfica de uma imagem que mexe com o leitor, ressaltando que pertences pessoais em meio a destroços queimados e retorcidos podem ser tão comoventes quanto os cadáveres dos donos dos respectivos objetos.
“Um jornal é elaborado por uma equipe de indivíduos com diferentes sensibilidades e sob rigorosas restrições de tempo. As escolhas são feitas em tempo real, seguindo regras em sua maioria muito subjetivas; é muito fácil se arrepender de algumas coisas na luz fria da manhã seguinte”, afirmou.
(Ironicamente, o artigo do editor na página do Guardian era acompanhado de uma série de imagens fortes, incluindo a fotografia de um soldado incinerado no Kuait em 1991. Em sua introdução veio a advertência: “Atenção: este artigo inclui imagens gráficas que alguns leitores podem considerar perturbadoras.” Um alerta ou um convite?)