Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A verdade da escrita

Flores artificiais, novo livro de Luiz Ruffato, é um buquê com oito ramos, além de uma apresentação, uma carta e um posfácio. Portanto, um livro que resulta da urdidura de várias histórias, em diferentes camadas. Na apresentação, Ruffato dá as diretrizes ao leitor. As histórias narradas no livro foram reescritas a partir de memórias de Dório Finetto (daí o “artificiais” do título), um engenheiro e consultor do Banco Mundial cuja família, como a de Luiz Ruffato, é de Rodeiro, Minas Gerais.

Finetto atravessa um período depressivo e sente vontade de escrever as histórias que contava, durante o tratamento, para sua psiquiatra. Essas memórias são reunidas por ele em um manuscrito, intitulado Viagens à terra alheia, que envia a Luiz Ruffato. Este livro dentro do livro reúne oito interessantes relatos – aparentados ao conto na forma – e ocupa a maior parte de Flores artificiais. A apresentação de Luiz Ruffato e a carta de Dório Finetto, enviada ao escritor com o manuscrito, antecedem as oito narrativas. No fim, há o posfácio, de Ruffato, intitulado “Memorial descritivo”, em que o escritor alinhava “breves notas sobre o passado de Dório Finetto, nas quais, entretanto, ele afirma não se reconhecer. Se pilhéria do biografado ou incompetência do retratista, eis a questão”.

A linha tênue entre realidade e ficção é tão bem trabalhada que remete à obra do cineasta Eduardo Coutinho. Se a realidade com a qual o documentarista deparava em boa parte de seus filmes era construída no momento em que se colocava a lente diante daquelas pessoas/personagens e suas histórias, aqui ocorre algo análogo: a pena de Luiz Ruffato constrói, no campo da ficção, a realidade vivida por Dório Finetto.

Memórias de outro

Não pretendo revelar elementos das narrativas para não comprometer o prazer que o leitor experimentará ao lê-las. Cabem algumas observações, no entanto. O cargo que Dório Finetto ocupava no Banco Mundial fazia com que ele viajasse com frequência para diferentes países. Os relatos do livro partem dessas experiências em diversas regiões do mundo e têm em comum as marcas que as personagens, em encontros inusitados, deixam no narrador: uma pessoa solitária, sem lugar e sem família, e – lembremo-nos – em depressão quando redigiu as memórias.

O narrador, em trânsito, constitui-se a partir dos encontros que trava de passagem. É pelo olho do outro que ele se vê. Forma e conteúdo coadunam-se: não seria essa a principal qualidade de Flores artificiais? É pela pena do outro que o narrador-personagem se constitui; analogamente, é pelas memórias de outro que autor se constitui.

Eduardo Coutinho dizia que seus filmes não se propunham ser a filmagem da verdade, mas pretendiam revelar a verdade da filmagem. É o que encontramos neste livro: a verdade da literatura.

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Renato Tardivo é escritor e psicanalista