Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sininho, criadores e criatura

“A Elisa saiu ontem e está abalada com a truculência da mídia. A imprensa veio como cão raivoso e me amassaram no carro. Eu falo e repito: deixem minha filha em paz”, pediu Rose Quadros. “Ela é um ser humano”.

A frase acima foi pronunciada pela mãe da cineasta/manifestante/ativista Elisa Quadros, a “Sininho”, como costumam se referir a ela os meios de comunicação do País. A declaração, por sinal, aconteceu dentro da sede do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, um dia após a libertação de 3 pessoas que estavam detidas no complexo penitenciário de Bangu, acusadas de envolvimento numa suposta “Operação Junho Negro” e que teria o objetivo de causar desordem durante a Copa do Mundo. Um dia após, também, da agressão a jornalistas que cobriam a libertação.(Não vou entrar no mérito da realização dessa reunião, convocada pela própria direção do Sindicato, isso mereceria um post inteiro).

As palavras da mãe de Sininho fizeram o sino que existe dentro de minha cabeça tilintar também. Até pouco menos de um ano, ninguém jamais havia ouvido falar dessa jovem gaúcha, criada no estado do Rio. Mas, de lá pra cá, a “temível” Sininho ganhou uma dimensão impressionante no panorama político-social brasileiro. Fiquei a pensar no porquê dessa ascensão meteórica; no que fez dela um ícone. Com o aval de quem, teria se transformado numa suposta representante-mór dos jovens manifestantes? Por que passou a ser apontada como a face descoberta dos mascarados Black Blocs?

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Numa pesquisa na Internet descobri que outras pessoas também estavam se questionando sobre isso. E algumas delas, como eu, acreditam as pergunta acima têm a mídia como resposta. Jornais, revistas, sites e TVs teriam uma grande responsabilidade no manuseio do barro do qual foi moldada essa “criatura”.

No artigo “Sininho n’O Globo, ou, como construir um inimigo público”, na revista virtual Pittacos (ver aqui), Sergio Martins faz uma cronologia das aparições da jovem no jornal. O texto, que pode ser lido no link acima não reflete, em sua íntegra, a minha opinião. O utilizo, aqui, apenas para pinçar passagens das aparições de Elisa Quadros no jornal citado:

 “…A primeira aparição de Sininho nas páginas do jornal foi na famigerada capa dos ‘70 vândalos’, de 17 de outubro 2013, a mesma que rendeu do editor-executivo Pedro Dória elogios à equipe por ‘revelar personagens’. Lá ela era ‘Sininho do barulho’.”… “O começo da construção do personagem é mais espaçado. Em 25 de outubro, o jornal fotografa Sininho falando para professores em greve… Com a morte do cinegrafista Santiago Andrade, o tom das matérias se inflama. No dia 13, Sininho aparece num box de ‘perfis’, dentro de uma série de reportagens intitulada “Ataque à Liberdade de Expressão”, na companhia de Jonas Tadeu e Fábio Raposo. O ‘perfil’, escrito por Elenilce Bottari, vem com o título: ‘Com nome de fada, mas fama de encrenqueira’ – uma reedição do ‘Sininho do barulho’.”… “Sininho aparece novamente numa matéria de 16 de abril sobre – mais uma vez – um protesto que terminou em ‘baderna’. Mais precisamente: ‘O protesto, que começou pacífico e contou com a presença de ativistas como Elisa Quadros, a Sininho, virou uma verdadeira baderna à tarde’…”

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No site do Observatório da Imprensa, o artigo “A mídia vai criar um mito“, da jornalista Ligia Martins de Almeida, também aborda esta questão da criação da personagem midiática.

“…Os jornais e revistas estão felizes. Conseguiram dar uma cara aos black blocs, culpados pela morte do cinegrafista Santiago Andrade. E, para alegria dos pauteiros sensacionalistas, a cara dos black blocs é uma morena miúda, bonitinha, de cabelos curtos que, como se não bastasse, ganhou dos colegas de confusão o apelido de Sininho. Se a cara dos black blocs fosse a de um dos mascarados, o apelo seria bem menor. A verdade é que, até agora, as imagens de TV ou fotos de revistas e jornais não tinham dado destaque às mulheres entre os mascarados. Naquela multidão usando bonés e máscaras, a cara limpa de Sininho faz a alegria dos fotógrafos…”

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A até então desconhecida personagem ganhou uma reportagem de capa da revista Veja, em fevereiro deste ano. 

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Na matéria “Os segredos de Sininho”, há trechos acusatórios, como os seguintes:

“…Três personagens foram fundamentais para revelar a face mais sinistra dos black blocs: Fábio Raposo, o Fox, que carregou o rojão que atingiu o cinegrafista; Caio Silva de Souza, o Dik, que levou o artefato até perto da vítima; e Elisa Quadros, a Sininho, militante ativista (a definição é dela) que surgiu do nada para oferecer ‘assessoria jurídica’ aos dois acusados e não parou mais de aparecer.”… “Sininho posta vídeos com frequência, às vezes com o ex-namorado conhecido como Game Over. Articulada, gosta de mandar – em passeatas é vista apontando a direção a ser tomada pelos mascarados…”

A revista também foi criticada por ter feito uma montagem na imagem da foto de abertura com Elisa passando em frente a um grupo de manifestantes. Uma “photoshopada” básica, com fortes indícios de manipulação editorial.

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O texto completo da matéria pode ser lido aqui.

Avessa às entrevistas (alega que sempre terá suas falas manipuladas), na ocasião do caso Santiago (cinegrafista da Band morto ao ser atingido por um rojão disparado por manifestantes), Sininho se utilizou de um vídeo veiculado pelo jornal Nova Democracia para responder às acusações de envolvimento com o caso (ver aqui).

Numa oitava abaixo à da Veja, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre traçou um perfil de Elisa. Ouviu pessoas que a conheciam e tentou traçar sua trajetória pregressa, coisa que nenhum meio de comunicação tinha feito, até então, de maneira satisfatória. Mesmo assim, no texto, há afirmações bastante vagas sobre a jovem e, jornalisticamente, bastante questionáveis (ver aqui).

A grande exposição tornou Sininho figura pública e, por isso mesmo, sujeita às mais variadas interpretações de seu comportamento. Nas redes sociais é aclamada e apedrejada.

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No texto publicado na comunidade Mães de Maio, no Facebook, uma manifestação de total solidariedade à jovem (ver aqui):

“Vejo o rosto bonito de Sininho. Tão jovem, poderia ser minha filha. Vasculhada, espionada, perseguida, encarcerada arbitrariamente e, mesmo assim, não conseguem encontrar um mísero indício de que ela tenha cometido qualquer ato que vagamente se assemelhe a um crime… E nada, nada que demonstre que ela fez qualquer coisa além do que eu e tantos outros fazemos todos os dias: ativismo político.”

Ainda na Rede, Sininho virou “garota da capa” da fictícia revista Playblock, montagem publicada no blog ex-Casseta Hélio de La Peña:

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Mas, também houve quem avacalhasse o estardalhaço da imprensa em relação às acusações contra a jovem.

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Não bastassem os fatos já citados aqui, há poucos dias Elisa voltou às manchetes. Havia sido presa por suspeita de envolvimento na tal “Operação Junho Negro”.

O novo tumulto e a agressão a jornalistas após sua libertação acoplaram seu nome, mais uma vez, à baderna, à violência e ao vandalismo.
Na tal surpreendente reunião no Sindicato, casa dos jornalistas, Elisa levantou a voz e de dedo em riste, disse nunca ter agredido jornalistas.

“Eu nunca fui agressiva com nenhum jornalista”…”Ao contrário, já me botei na frente de vários aqui.” … “Sinceramente, a culpa não é do profissional e a gente sabe disso. Estou aqui por consideração e agradecimento por todos que lutaram por nossa liberdade e por respeito a este sindicato.”

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A memória seletiva de Elisa só não permitiu que ela se lembrasse de quando chamou de “carniceiros” os jornalistas que estavam reunidos numa delegacia alguns dias depois da morte do cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade. Veja o vídeo.

Além disso as palavras de ordem entoadas na reunião por Sininho e outros manifestantes, com os punhos cerrados (Presos políticos! Liberdade já! Lutar não é crime! Vocês vão nos pagar!) soaram bastante ameaçadoras à categoria (ver aqui).

Na minha opinião, não há dúvidas de que Elisa Quadros, a “Sininho”, foi catapultada pela mídia para ser a face dos Black Blocs, mas essa convicção me leva a outras questões:

Será que a própria Elisa não passou a se aproveitar desse papel que lhe foi imposto?

Será que está achando essa superexposição prejudicial, como alega sua mãe, ou a fama lhe cai bem?
Será que está usando o assédio da mídia para justificar sua agressividade?

Será que está tentando ser a líder de um movimento que se autoproclamava sem lideranças?

Em gravações autorizadas pela Justiça, ao cogitar um possível exílio na Inglaterra, Elisa chega a se colocar como uma figura de visibilidade internacional…

“…Exílio, querendo ou não, tem um poder político muito forte. Imagina a pessoa ser exilada agora, seria um poder político forte se eu fizesse isso, se tivesse uma boa campanha internacional. Porque essa perseguição que eu estou vivendo não vai acabar. … Realmente, um país democrático, antes das eleições, uma pessoa que está em foco nacional e internacional se exila. Você acha realmente que isso vai passar super tranquilo? Ah, ‘é como se ela estivesse indo na padaria’? Óbvio que não, isso vai ter um apelo!… Vai ser forte, vai dar para usar isso em nosso favor…” (ver aqui).

Ela pode não ser tudo o que acredita ser, mas alguém duvida que se Elisa tivesse se candidatado a um cargo eletivo (isso não é mais possível em 2014) teria sido eleita?

Talvez isso até possa acontecer em pleitos vindouros. Não seria a primeira vez na história política do País manifestantes se tornaram parlamentares (Lindbergh Farias é o exemplo mais recente). E vejam: isso não é uma crítica. Até porque, em uma Democracia, a mudança deve passar pelos poderes constituídos.

Mas seria até curioso ver alguém que demoniza o esquema vigente participar dele…

Os próximos capítulos dessa história são difíceis de prever. Vai depender de outros fatores. Este é um ano de eleições. Vamos ver como se comportam os grupos de manifestantes. Irão apoiar alguém? Irão contra todos? Sininho continuará sendo a “musa” black bloc, ou desaparecerá da mídia em breve (mesmo que não queira)? Aparecerão outras caras para o movimento? Ou o movimento simplesmente se diluirá?

Vamos ter que esperar para ver.

E esperar, também, que a cobertura mídia não se apegue tanto à criação de mitos ou ícones; mas aí, creio eu, já é esperar demais…

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Rafael Casé é jornalista