O principal rescaldo da Copa do Mundo não é a volta de Dunga à seleção nem a ingênua expectativa de moralizar o futebol pelas mãos do governo federal. O que interessa saber é como se dará a relação entre o poder de polícia e o ativismo político expresso em manifestações públicas.
A importância do tema cresce porque a deterioração da economia pode engrossar, nas ruas, movimentos de insatisfação em futuro próximo. E, com a Olimpíada de 2016, é previsível o prolongamento do estado de sítio informal que assola as favelas do Rio de Janeiro.
A prisão de 23 ativistas na véspera da final da Copa lembra a passagem do filme Casablanca (1942, direção de Michael Curtiz) em que o comissário de polícia, depois de ver Rick (Humphrey Bogart) disparar contra o oficial nazista, ordena: “Prendam os suspeitos de sempre”.
É estranho passar por cartazes reclamando a libertação de “presos políticos” ou ler notas de entidades como OAB e Anistia Internacional, preocupadas com a escalada repressiva.
Se é constrangedor, também, saber do ideário pré-histórico de “jovens” que acreditam na solução comunista, apesar de tudo que aconteceu no século 20, e enxergam a “imprensa burguesa” como “capacho ianque”, sua existência faz parte, ou deveria fazer, da normalidade democrática.
Equilíbrio? Moderação?
Não há controvérsia sobre dois aspectos fundamentais. A liberdade de manifestação é um direito sagrado, apesar do incômodo que gera para a vida cotidiana, e é dever do poder público conter e punir atos de violência e depredação.
Os ativistas cariocas são acusados de formação de quadrilha armada, e, se a estratégia de prendê-los para evitar conflitos no dia do jogo final revelou-se vitoriosa na prática, para a satisfação de organizadores e governantes, resta um sentimento de desconfiança em torno do trabalho policial. Desconfiança reforçada pelo habeas corpus que considerou as prisões preventivas desnecessárias.
As investigações são desconfortavelmente sigilosas, baseadas no conteúdo de conversas telefônicas interpretadas, em depoimentos com alguma inspiração folhetinesca e na apreensão de litros de gasolina e objetos, além de livros, é claro, que confirmariam a grave conspiração. A denúncia do Ministério Público resultante do inquérito, por outro lado, parece imprecisa quando tenta descrever o envolvimento de cada um dos réus em situações concretas de violência, ou em atos preparatórios, sem a essencial vinculação a datas e outras circunstâncias factuais.
Estaríamos diante de uma quadrilha formada pela agregação de membros de diversos grupos empenhados em contestar o “status quo”. Teriam se unido, paulatinamente, depois de concluir que o protesto pacífico não seria meio hábil para o alcance de seus objetivos, passando então a estimular a destruição de símbolos capitalistas e ataques a policiais.
Há semelhança entre o enredo de agora e os raciocínios mirabolantes que setores de inteligência do regime militar desenvolviam para o combate à subversão? Nossas tropas policiais agem com equilíbrio e moderação ao vigiar as passeatas? A paz pública depende mesmo do cerco repressivo a personagens como Sininho e Game Over, transformados em celebridades? Criminalizar protestos é o caminho?
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Luís Francisco Carvalho Filho é advogado e colunista da Folha de S.Paulo