Para um adolescente dos dias hodiernos, que passa várias horas à frente da tela do computador, parece ser extremamente difícil imaginar como era a nossa realidade antes do advento das redes sociais. Até para nós, adultos virtualmente integrados, também é conturbado tentar conceber o mundo sem internet. Várias de nossas atividades – como o pagamento de contas, a busca por um novo emprego e reencontrar velhos amigos – podem ser realizadas online.
Diante desse contexto, não seria exagero algum afirmar que as redes sociais mudaram decisivamente a nossa existência. Atualmente, o computador tem sido um importante mecanismo de socialização e sociabilidade. Desde a mais tenra idade, crianças já aprendem como manejá-lo. Desse modo, podemos falar que vivemos um processo de “facebookização” da realidade, em que o cotidiano das pessoas em geral passa a ser cada vez condicionado pelas redes sociais.
Vejamos alguns exemplos mais contundentes. Muitos indivíduos aproveitam o perfil do Facebook para tentar passar uma imagem que não representa o seu verdadeiro eu. Uma espécie de “alegria virtual contínua” que não corresponde, em hipótese alguma, à realidade. Se no “mundo real” estar feliz é, como afirmou um filósofo, apenas um efeito colateral positivo da existência, nas redes sociais a felicidade é um estado perene. Na sociedade do espetáculo, ter a sensação de que está sendo “seguido” é a melhor forma de se sentir uma celebridade. A partir do truísmo “partiu”, muitos internautas divulgam todos os passos do cotidiano. Assim, a autoestima dessas pessoas depende de quantas “curtidas” recebem em seu perfil.
Enquanto em outras épocas, fotografias eram cuidadosamente tiradas apenas para registrar os momentos mais especiais, na era das máquinas digitais e dos celulares ultramodernos, fotos são tiradas (principalmente os famosos selfies) exclusivamente para serem compartilhadas online. É a banalização da imagem. Se as adolescentes de outrora tinham “diários” para registar o cotidiano, atualmente elas utilizam seus perfis nas redes sociais para expor seus segredos mais íntimos. O futuro imaginado por Andy Warhol enfim chegou: no Facebook todos podem ter seus quinze minutos (virtuais) de fama.
A web reflete o que somos
Segundo um trabalho realizado por duas universidades alemãs, o êxito virtual de alguém está intrinsicamente ligado à sua capacidade de despertar a inveja alheia. Demonstrações de sucesso pessoal e profissional, fotos de viagens de férias em belas paisagens e felicitações de aniversário são os principais motivos de ressentimento. “Apesar de cultivarem laços de amizade, as atualizações pessoais dos usuários também criam uma plataforma de comparação social sem precedentes”, afirma o estudo.
Consequentemente, muitos indivíduos vivem mais a “vida virtual” do que propriamente a “vida real”. Temos a impressão de que se determinados fatos não foram compartilhados ou postados no Facebook não aconteceram na realidade. Nesse admirável mundo novo virtual que dificilmente Aldous Huxley imaginaria, os namoros só se tornam realmente sérios depois da mudança de status de relacionamento no Facebook. A principal rede social do planeta também enseja o voyeurismo virtual. Para o deleite dos alcoviteiros, nunca foi tão fácil obter informações sobre a vida alheia.
No Facebook, figuras anódinas como padres midiáticos, esportistas, autores de autoajuda e músicos popularescos são alçados à condição de “grandes pensadores”. Evidentemente que a imbecilidade humana não surgiu com as redes sociais. Todavia, é inegável que o espaço virtual facilitou a difusão em larga escala das idiossincrasias do ser humano. A web não deixa as pessoas mais inteligentes ou mais ignorantes, ela apenas reflete o que somos: para o lado positivo e para o lado negativo.
Uma incógnita
Por outro lado, é preciso ressaltar que este texto não teve o intuito de demonizar as redes sociais ou tampouco se trata de uma apologia à época em que não conhecíamos a Internet. Levando-se em consideração a grande concentração dos meios de comunicação que impera em nosso país, as redes sociais são imprescindíveis para divulgar informações e opiniões alternativas ao status quo midiático. Muitas mobilizações populares por todo o planeta foram convocadas pelo Facebook e, não obstante, o espaço virtual também é fundamental para aproximar pessoas fisicamente distantes, mas próximas ideologicamente. Você pode não ter os mesmos ideais que seu vizinho, mas ao acessar a rede mundial de computadores você entra em contato com pessoas que compactuam com ideias semelhantes às suas, independente da localização geográfica. Pelo meio virtual é possível divulgar movimentos locais e conectá-los à escala global.
Em suma, pretendi apenas demonstrar como cada vez mais as “vidas reais” de muitas pessoas são dependentes e indissociáveis de seus perfis no Facebook. Qualquer análise sobre as relações humanas na atualidade não pode deixar de mencionar as redes sociais. Não é por acaso que muitos pensadores compararam a invenção da internet à descoberta do fogo. Para onde essa “facebookização” da realidade vai nos levar, trata-se de uma incógnita. Fato curioso é que o próprio Facebook poderá ser um mecanismo para a divulgação deste artigo. Ironias de nossa pós-modernidade.
******
Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG