Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A responsabilidade na redação de uma manchete

Antigamente, a preocupação em compor uma manchete tinha relação direta com o espaço disponível na página do impresso. Nestas ocasiões, caso a chamada da matéria apresentasse falta de informação ou imprecisão na terminologia, havia a justificativa das limitações das margens da publicação. Nos tempos atuais, para quem produz para a internet, o espaço disponível deixou de ser um problemão. Na primeira chamada satisfatória, independente do número de toques, o link vai para a rede.

A manchete tem fundamental importância para a notícia. Ela chama a atenção do público. Caso interesse, a pessoa, por exemplo, comprará o jornal. No caso da internet, a chamada motivará o interessado a acessar o conteúdo. O problema é que nem isso as pessoas estão fazendo. Segundo matéria postada no blog “Link”, do Estado de S.Paulo, os usuários da internet tendem a ler apenas os títulos e compartilhá-los, sem saber o conteúdo dos textos (ver aqui).

Por conta disso – e do compromisso para com a verdade – o jornalista deve ter cuidado quando da confecção de uma chamada. A Copa do Mundo, assim como foi propulsora de milhares de compartilhamentos pelas redes sociais, também foi matéria-prima para manchetes fantasiosas e imprecisas. Quanto às fantasias, a matéria do blog “Link” cita alguns exemplos. Quanto às chamadas imprecisas, uma em especial me chamou a atenção. Contraditoriamente, foi a tentativa dos jornalistas em serem precisos que a tornou imprecisa.

O caso foi o seguinte: em certo momento da Copa, o técnico Felipão reuniu-se com seis jornalistas. Logo após a reunião, veio a notícia:

Fonte: atarde.uol.com.br

Enquanto manchete, a frase cumpriu a função de chamar a atenção. Logo viralizou. O problema é que a frase do Felipão que gerou a chamada foi:

Fonte: espn.uol.com.br
Fonte: espn.uol.com.br

Arredondando a conta, Felipão teria se arrependido da convocação de somente um jogador. Mas será que foi isso mesmo que o técnico quis dizer? Foi só um atleta ou foram dois ou três? Por que ele falaria em porcentagem ao invés de falar objetivamente quantos jogadores o desapontaram? Para os jornalistas, 5% pode ter sido muito evasivo. Conjeturar o “um atleta” alvo do desapontamento é que foi produtivo. Reverberou por mais tempo.

Só a Cabecinha

A revista Galileu de julho/2014, na página 28, intitulou aqueles que leem somente os títulos de “geração só a cabecinha”. Esta nomenclatura, inclusive, é a manchete da reportagem (figura a seguir). Tal chamada – de extremo mau gosto – depõe contra o teor da matéria. Ela alerta para as reações instantâneas frente à leitura somente do título. Ao ver a revista aberta sobre a minha bancada, meus colegas de trabalho pensaram se tratar de outro conteúdo. A matéria atentou para a problemática da leitura superficial, mas não contribuiu para minimamente evitá-la.

Revista Galileu de Julho/2014Revista Galileu de julho/2014

Muitos eximirão o jornalista da culpa nos casos da leitura apressada por parte do público. Dirão que as pessoas têm reagido aos conteúdos com a mesma rapidez com que eles chegam. É um fenômeno da contemporaneidade. No entanto, o consumo de manchetes, desde sempre, foi rápido. A chamada está ali para “chamar”. Por isso, ao jornalista cabe compor manchetes sem achismos, dubiedades ou mentiras, pois o consumo das manchetes continuará sendo instantâneo e gerará reações que irão da individual compra do jornal até o compartilhamento desmedido na rede.

 

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Guilherme Longo Triches é mestre em Jornalismo pelo POSJOR/UFSC e pesquisador do objETHOS